domingo, 18 de abril de 2021

Hípias de Élis

Hípias de Élis – (460 a 399) a.C    

Autor: Alysomax Soares

Introdução

Hípias foi um filósofo sofista da Grécia antiga, ele ficou muito conhecido por ter uma excelente memória. O domínio de seus conhecimentos era visto como uma espécie de saber enciclopédico. Foi também considerado um doxógrafo e compilador de várias obras. Sua vasta obra produzida e compilada de maneira ordenada permitiu que muitos filósofos e historiadores pudessem sistematizar o pensamento da filosofia antiga, contribuindo assim de maneira notável com o registro escrito da História da Filosofia. Foi muito criticado pelos filósofos da época devido à prepotência que tinha em relação ao domínio de seus conhecimentos. Gabava-se também de ganhar muito dinheiro com seus ensinamentos, por isso, era mal visto por alguns pensadores de seu tempo. Além disso, julgava ser conhecedor de tudo e afirmava poder discursar sobre qualquer tema. É considerado um dos criadores da etnologia (ciência que estuda a cultura através de documentos). É autor da célebre frase: “A lei é o tirano dos Homens”. Estudou as áreas da Filosofia, História, Poesia, Música, Educação, Artes, Matemática, Astronomia, Direito e Política. Era tido como um polímata, devido ao seu vasto conhecimento erudito em várias áreas do saber. Acredita-se que teria sido discípulo de um filósofo conhecido por Hegesidamus. Seu principal objetivo como professor era ensinar a arte da argumentação (erística), pois desejava que seus pupilos pudessem discutir qualquer tema com maestria.

Desempenhou trabalhos manuais de tecelão e sapateiro, sendo posteriormente a essa fase, nomeado Embaixador de sua cidade natal. Alguns historiadores da filosofia o consideram como o “pai da mnemônica”, por ter sido o criador do método da "Mnemotécnica" (arte da memória). O filosofo Platão o cita em alguns de seus diálogos como “Hípias maior” e “Hípias menor”. Entre suas principais teorias estão: o conceito de virtude universal, o relativismo da moral, o poder e a igualdade entre os indivíduos. É visto também como um dos primeiros pensadores a criar teorias sobre a arqueologia. Destacou-se na área financeira tendo inclusive adquirido riquezas com o ensino. Na área da literatura ele escreveu tratados, elegias, tragédias, versos épicos e alguns textos em prosa. Sua obra jurídica também colaborou para que o pensamento democrático grego se consolidasse. De suas obras restaram-se poucos fragmentos. Pesquisadores apontam que ele possivelmente tenha escrito uma obra de nome “Synagogé” em que descreve problemas filosóficos, registros históricos e uma lista com vencedores das olimpíadas. Nasceu por volta de 460 a.C e veio a falecer em 399 a.C. 

Filosofia da Natureza

Defendia o estudo das ciências da natureza, pois acreditava que através dela o homem produziria um caminho correto para uma boa conduta na vida. Na sua visão, para que o homem pudesse compreender a natureza ele precisaria estudar o “todo” de maneira distinta das “partes” que a formam, isto é, o universo como um todo seria constituído por seres particulares aos quais ele denominava de “coisas”. Hípias acreditava que a natureza se apresentava de forma plural, daí explicava que as “coisas” não poderiam ser formadas de uma única substância, mas sim de múltiplas partículas. Essas coisas existiam independentemente do homem ter dado nome a elas. Dessa forma, para ele, a realidade seria eterna se não existisse o vazio no universo. Dizia que o universo possuía um formato esférico.

Filosofia Moral

Descreveu conceitos sobre a ideia do belo e da moral, antecipando conhecimentos futuros sobre a estética relacionada com a ética. Dizia não haver diferença entre o homem mentiroso e o verdadeiro, pois acreditava que o conceito de “poder” seria a capacidade que o indivíduo tinha de fazer o que quisesse, ou seja, poder dizer a verdade ou a mentira de acordo com sua habilidade. Para ele um indivíduo ignorante não era capaz de ser mentiroso, porque não seria hábil na arte de enganar. Explicava que a verdade existe mesmo que o homem não tenha a capacidade de conhecimento total dela. Nesse contexto, ele destacava que a lei natural era essencialmente o sustentáculo da moralidade. Transcorria que a ideia de justo e bom eram relativas para determinadas situações.

Filosofia da Educação

Defendia na área do ensino o objetivo da busca pela excelência apresentando ao estudante a possibilidade dele poder escolher aquilo que quisesse aprender. Dessa maneira, uma boa educação levaria o aluno a prática do aperfeiçoamento e a solução de suas deficiências. Entendia que o ensino da virtude se relacionava com a ideia de variedade de conhecimentos, por isso, para um conhecimento ter qualidade ele precisaria de quantidade. Esse método adotado por Hípias era chamado de “polymathía” (domínio de todos os saberes) ou saber enciclopédico. Explanava que os cidadãos sábios de todas as nações eram semelhantes em virtudes, portanto deveriam se juntar em torno de uma virtude universal. O conceito de nacionalidade precisaria ser superado e no seu lugar deveria ser construída a ideia de humanidade, como se todos vivessem em uma espécie de “aldeia global” e com pensamentos igualitários. Esses pensamentos conduziriam o ser humano a elaborar políticas públicas práticas que atendessem as necessidades básicas para a sua dignidade, pois seriam baseadas em virtudes naturais. Explicava que os conhecimentos deveriam ser aplicados de maneira prática, com isso, ele produzia vestimentas e coisas de uso diário.

Filosofia do Direito

Argumentava que a lei seria apenas um disfarce para o poder. Na sua teoria jurídica ele condenava conceitos ligados ao direito positivado e advertia da importância de um direito natural que pudesse transcender alguns estágios de percepção da realidade. Ele acreditava que existiam três formas de compreensão da realidade que seriam: as leis espaciais, os princípios temporais e as regras universais. Posto isto, ele explicava que os homens ao elaborarem as leis positivadas ficavam submersos em um mundo em que não entendiam as leis do espaço, então como consequência também não conseguiam compreender os princípios temporais e nem transcender na busca de preceitos universais. Dessa maneira, ao criar suas próprias leis positivadas o homem acabava esquecendo esses princípios regulados pela natureza. O direito na sua concepção deveria ser naturalista. Para ele, o homem precisa conhecer as leis naturais e para isso seria necessário conhecer a natureza. Dizia que o “nómos” (lei) obrigava o homem a se tornar um escravo e que as desigualdades que eram impostas não possuíam legitimidade, pois era fruto de uma lei e não da natureza. Condenava o sistema vigente da magistratura que selecionava para os cargos pessoas imaturas e incompetentes.

Filosofia da Matemática

Sistematizou partes da história da geometria antiga. Destacou-se na matemática ao descobrir o conceito da trissectriz ou quadratriz em uma curva no círculo. Essa curva mecânica tem essa etimologia porque pode ser usada para formar uma curva dentro de um quadrado e também para trissecar um ângulo. A quadratriz pode ser definida como a intersecção de duas linhas em movimento. Alguns matemáticos utilizaram essa curva em um antigo problema sobre a quadratura do círculo e também sobre a trissecção do ângulo. Ele também formulou os primeiros conceitos sobre a “equação da grade”.

Hípias Menor – Diálogo Platônico

Aqui Platão trata da questão do homem mentiroso e do verdadeiro, ele descreve que o personagem Hípias adverte que o homem mentiroso não é diferente do homem que diz a verdade, pois ele pontua o significado de poder como sendo um atributo que uma pessoa adquire tanto para “poder” dizer a verdade quanto à mentira. Nesse diálogo o personagem Sócrates questiona Hípias sobre seu discurso homérico em que ele descreve argumentos dos personagens Aquiles e Ulisses em um dilema ético. O diálogo segue entre o paradoxo moral que se estabelece na argumentação de que o homem mais capaz de dizer a verdade pode ser também o mais capaz de mentir e a ideia de que o homem verdadeiro pode não ser superior ao homem mentiroso.

Hípias Maior – Diálogo Platônico

Nesse diálogo Platão transcorre sobre a ideia do belo descrevendo algumas definições sobre o que pode ser considerado belo. O conceito de belo nessa época abordava o tema não apenas em seu formato estético, mas também com uma conotação do que é eticamente o bem e moralmente a justiça. A sua visão totalizante do que pode ser o belo se traduz de maneira ontológica e metafísica, pretendendo esgotar o tema em sua melhor completude. Assim o horizonte de abrangência do que pode ser delimitado como belo, ganha um amplo terreno de possibilidades. Para Hípias a ideia de belo se fundamentava em uma visão particular para cada um, ou seja, não seria possível debater tal questão, pois seria mera opinião. O belo ou o feio nunca seriam algo que pudesse ser descrito de forma universal por todos. Os personagens Sócrates e Hípias travam um debate argumentativo em que as duas visões dos personagens sobre o que é o belo se completam, porém sem que eles cheguem a uma conclusão definitiva. 

Principais Obras:

- Os discursos da circunstância.

- As obras eruditas e as obras poéticas.

- Os nomes dos povos

- Diálogo Troiano

- Elegias

- Tratados arqueológicos


Filosofia Sapiencial

 - “A lei é o tirano dos Homens”.

 - As verdadeiras leis são somente as da natureza: "São válidas em cada país e do mesmo modo".

- “A Natureza une os homens, enquanto a lei frequentemente os divide”.

- “Todos são iguais não existe distinção entre homens livre e escravos, gregos ou bárbaros”.

- “Por natureza ninguém nasce escravo, a lei é que tiraniza o homem”.

- “É melhor seguir as leis da natureza do que as leis humanas”.

- “O semelhante é por natureza parente do semelhante, mas a lei, tirano dos homens, é muitas vezes contrária à natureza”.

- “O verdadeiro saber será! à imagem e semelhança do Cosmos, um todo; o enciclopedismo é, para o sábio, um dever e, de modo algum, uma vaidade. O discurso erudito tem, para o espírito, uma trama que é do mundo; será, pois, um discurso totalizador, e sua totalização não representará a nova reiteração de um real reduzido ao mesmo, mas um fazer ver a complexidade e de integrar, sem as perder, as infinitas variedades às quais o real aparece sempre novo”.

- “Para quem não é uma unidade, não obstante as virtudes individuais constituírem os postulados externos para a virtude absoluta que, através da presença das virtudes separadas, é transformada em virtude total”.

- “Ó homens aqui presentes! Creio-vos a todos unidos, parentes e concidadãos, não por lei, porque o semelhante é por natureza parente do seu semelhante, mas a lei, como tirana dos homens, em muitas coisas emprega a violência contra a natureza”.

- “Como tomar as leis a sério, como acreditar ser necessário cumpri-las, se os próprios legisladores as infringem e modificam?”.

 

Fontes:

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