terça-feira, 19 de março de 2024

Filosofia do Amor

Filosofia do Amor

Autor: Alysomax Soares

Introdução

Filosofia do Amor é um campo da filosofia que tenta explicar a natureza do amor. Segundo alguns pesquisadores, o amor pode ser compreendido como um princípio que estabelece uma relação entre os seres humanos. A reflexão sobre esse tema abarca diversos campos, como a religião, a família, a sociedade, a pátria e a liberdade, sendo de grande importância seu estudo para compreensão do desenvolvimento humano. O entendimento a esse respeito leva os indivíduos a se compreenderem melhor, gerando equilíbrio mental necessário ao convívio social. Esse fato pode auxiliar na prevenção de distúrbios psíquicos e disfunções sociais, evitando dores ocasionadas pela desarmonia gerada pela falta de autoconhecimento. Ademais, o amor com suas múltiplas definições ou faces, pode ser definido como um sentimento belo, justo, digno ou esplendoroso. As definições do amor assumem uma importância para várias áreas do conhecimento, não se limitando apenas ao campo teológico, filosófico ou científico. Acredita-se que existem várias formas de amar, por isso o verbo amar é utilizado em várias ocasiões e de diferentes formas. Ele possui um mar de definições e um vasto campo de possibilidades. O amor é vida e é visto como a forma pura do bem.

Amor Ágape

Seria o amor sublime que era visto, dentre outros termos, como sendo definido por amor ágape. Esse amor era descrito pelos gregos como uma espécie de amor universal e incondicional que se relacionava com os aspectos da pureza. Poderia ser descrito como um amor divinal ou que contém algo de puro. Era tido como uma forma elevada de amor, ele é muitas vezes atribuído como sendo o amor de Deus. Esse é o amor por todos os seres, por toda a humanidade. O verdadeiro amor ágape era caracterizado por uma conexão com a natureza, a humanidade e o universo. Também era descrito biblicamente como um amor ligado ao autossacrifício, isto é, relacionado à doação ao próximo. Além disso, pode ser descrito como um amor totalizante que preenche todos os espaços, o amor, ágape, era geralmente definido como o "amor abnegado”. Transita entre o isolamento da contemplação, no sentido de solitude e o entusiasmo puro da centelha divina, na direção do sagrado.

Pode ser entendido como à forma pura e perfeita da ideia de bem. Lewis (2017) reconhece este, como sendo o maior dos amores. Ele não encontra uma definição exata que possa ser expressa na linguagem humana, sendo apenas idealizada, para ser sentida. Entre suas principais características está a ideia de compaixão. Por ser perfeito, esse amor nunca acaba, tem um viés altruísta de servidão ligada à justiça e a verdade. É alimentado pela empatia e condiciona a liberdade, pois dá sem esperar nada em troca, ou seja, não cria expectativas e contém um quê de atitude. A Bíblia compreende a ideia de amor como sendo a principal virtude entre as relações, isto é, o valor mais importante entre os humanos e entre Deus e suas criaturas.

Amor Filos

Esse seria o amor sobre a forma de amizade, ligado ao amor entre amigos e irmãos. Direcionava-se para ideia de parceria e companheirismo, tendo a amizade, a sinceridade e a gentileza como pontos basilares. O termo também se refere à ideia de partilhar algo entre amigos, isto é, algo em comum que exista entre as partes. A intimidade entre colegas pode aos poucos construir grandes laços de amizade que despertam o amor filos entre eles. A interação entre dois amigos gera uma escolha que interfere no destino deles, por isso, nesse formato, o amor cria certa afinidade e admiração que se traduz em um polo mental e cultural, entre os atores envolvidos, desperta também espírito de lealdade e igualdade neles. Tem forte ligação com a alma humana e pouca aproximação com o aspecto material do indivíduo. É descrito também como o amor do “bom senso”, pois exige certa reciprocidade entre as parte. Por estar inserido entre o foco espiritual e o lado emocional, esse tipo de amor estaria em um nível intelectual, por isso foi que dele se originou termo filosofia, que se traduz na ideia de um amigo do saber ou alguém que ama o saber, isto é, uma espécie de “amor-amigo” do conhecimento. O filósofo Aristóteles chegou a afirmar que a ideia de amor filos tem grande relação com a noção de alegria e felicidade, criando laços de apego entre dois amigos.   

Amor Eros

Esse tipo de amor se direciona para as esferas sensuais e românticas. Eros está associado com a libido e a sexualidade. Ele é caracterizado pelo romance, pela paixão e pelo desejo, além disso, estaria conectado ao prazer, à atração física e ao sexo. O termo se refere aos conceitos eróticos que fazem relação com a atração entre casais. Ele se liga aos sentimentos existentes entre um homem e uma mulher. Está estruturado na beleza e na atração gerada por um estímulo que outro ser desperta em uma pessoa, podendo ocasionar paixão e obsessão pelo outro. A intimidade entre duas pessoas também alude à compreensão desse conceito de amor, por isso, possui forte ligação com a ideia de conquista. A ideia de amor platônico também se referia a esse tipo de amor, direcionada para a concepção de idealização e fantasia.  O livro cânticos de Salomão, na bíblia, retrata um pouco essa visão do amor ardente ligado à sexualidade e ao romantismo, com uma conotação também se referindo à ideia de existência, reprodução e sobrevivência humana.  O filósofo Jung utilizava o termo “eros” de forma um pouco diferente do usual, colocando o termo como atributo da psique feminina que contrastava com o logos masculino, ligado a razão.

Amor Storge

Esse seria o amor dos pais pelos filhos, que também estaria direcionada para o conceito de confraternização entre familiares. Tem como principais características a proteção, o apoio e cumplicidade dos pais para as questões ligadas a família. Existe uma afetividade formada através dos laços de parentesco. Esse amor surge de forma natural e gradual no seio da família, indo aos poucos se formando e se estendendo entre os membros. Ele se forma através da intimidade compartilhada no seio familiar. Por isso, pode ser sentido também por pessoas próximas que vivem como se fosse membros de uma família. Pode ser visto também como um tipo de amor que não se adquire, ou seja, ele é pré-existente. Como exemplo, os pais que amam seus filhos antes mesmo deles nascerem. Traz a ideia de aconchego e acolhimento, tendo relação com a ideia de afeição, carinho, ternura e cuidado. É um tipo de amor genuinamente gratuito e que assume a ideia de confiança. A família é um centro de apoio em várias situações da vida, por isso esse amor tem um viés de dedicação, maturidade e flexibilidade. Carrega um sentimento de nostalgia, interesse por lembranças e recordações sobre o que já foi vivido.

Amor Pragma

O Pragma é o tipo de amor menos duradouro, que pode ser traduzido como “amor prático”, referindo-se ao tipo de amor baseado no “dever, no compromisso e na praticidade”. Sua tradução etimológica é definida como “Pragma” do grego, "prática", "negócio" ou “coisa feita”. Desse modo, exige certa ponderação em seus atos, sendo mais racional. Tem como características o que é transitório e temporário, se ancorando no agora. É um amor baseado na dedicação ao bem maior, em um amor pragmático. Relacionado ao altruísmo, a responsabilidade e ao interesse momentâneo das coisas. Pressupõe um compromisso entre as partes que legitima um vínculo promovido pela experiência e maturidade, gerando um caráter de reciprocidade. Visto como um amor momentâneo que se prende ao que é necessário e urgente. Procura se firmar na serenidade e na lealdade, buscando a compatibilidade e o realismo. Na busca por uma relação sólida, esse tipo de amor procura superar os desafios e obstáculos, para vencer os conflitos que surgem, durante a jornada da vida.

Amor Ludus

O amor “ludus” é um amor lúdico está ligado à ideia de alegria, diversão e felicidade. Flerta também com o feitiço gerado pelo clima de dança, música e festa. É um amor verdadeiro, mas que não possui total comprometimento, pois é desprendido do individual, estando mais ligado ao coletivo, ao todo. Tem um caráter de amplitude globalizante que se estende, não se limitando as fronteiras, visto como algo mais intenso e misterioso, contendo um viés ecumênico. Aproxima-se da ideia de paixão, pois está inserido no contexto inicial das relações, quando as pessoas se conhecem, por isso estão felizes e rindo o tempo todo, em estado de êxtase ou encantamento. A palavra “ludus” remete a ideia de jogo, por isso promove um jogo de sedução que provoca os atores, em um envolvimento emocional, despertando euforia. Seria, portanto, um estado de animação, em que se busca conquistar ou hipnotizar, utilizando certo magnetismo ou charme.  

Outros tipos de amor:

Philautia; Fátria; Mania; Caritas; Fati; Xênia.

Fontes:

BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido: Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2004.

BRANDEN, Nathaniel. A psicologia do amor . Rio de Janeiro: Editora Record,1998

CAPELÃO. André. Tratado do amor cortês. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2000.

FERREIRA, Nadiá Paulo. A teoria do amor. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2004

FROMM, Erich. A Arte de Amar. Belo Horizonte: Editora Itatiaia,1964.

GIKOVATE, Flávio. Ensaios sobre o amor e a solidão. São Paulo: Editores Associados, 1998.

KONDER, Leandro. Sobre o amor. São Paulo: Bom tempo, 2007.

LEE, John. As cores do amor. Toronto: New Press, 1973.

LEWIS, Clive. Os Quatro Amores. Brasil: Thomas Nelson, 2017.

NOGUEIRA, Renato. Por que amamos: o que os mitos e a filosofia têm a dizer sobre o amor. Nova York: Harper Collins, 2020.

SIMMEL, Georg. Filosofia do Amor. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

segunda-feira, 18 de março de 2024

Amenemope de Akhmim

Amenemope de Akhmim - (1300 a 1075) a.C

Autor: Alysomax Soares

Introdução

Foi um filósofo do antigo Egito que escreveu uma obra literária enquadrada na chamada filosofia sapiencial. A obra ficou conhecida como “as sabedorias de Amenemope”, foi encontrada em formato hierático. Sua filosofia influenciou outras gerações, servindo como guia prático para as condutas éticas e morais, daqueles tempos. Esse livro é considerado um clássico da sabedoria antiga, tendo sido localizado pela primeira vez em um rolo de papiro egípcio. Segundo alguns pesquisadores, essa obra é um dos primeiros livros de autoajuda da antiguidade. Seu sistema de pensamento misturava elementos míticos com filosofia simbólica. Laborou como escriba-chefe pro três gerações seguidas, nos reinados de Horemebe, Ramsés I e Seti I. Seu nome tinha um significado etimológico descrito como “amen-em-ope”, o mesmo que, “O Deus está em paz” e também pode ser transcrito como “Amenophis”. Seu pai era conhecido como “Kanakht” e sua mãe pelo nome de “Tausert”. Floresceu no período compreendido como novo reino, por volta do século XIII a.C. O túmulo de Amenompe está localizado em uma colina da necrópole de Tebas. Um pesquisador chamado Douglas Derry teria analisado os ossos e o crânio de Amenemope, tendo concluído que ele faleceu de meningite e que provavelmente era manco.  

Filosofia Moral

Foi um grande estudioso das cosmogonias do antigo Egito, tendo relacionado esses saberes com os conhecimentos da natureza humana. Sua filosofia retravava temas éticos e conselhos práticos para uma vida virtuosa. Direcionando os discípulos para alcançarem o equilíbrio e a justiça. As instruções ensinavam como agir corretamente, em várias situações do cotidiano e como manter uma boa relação humana com o outro. Ministrava também orientações sobre como alcançar o sucesso e a felicidade na vida, buscando evitar comportamentos negativos como o egoísmo, a inveja e a ganância. A bússola orientadora de sua filosofia estava ancorada na ideia de discernimento como fonte para se compreender a ética da serenidade e a virtude do silêncio. Condenava o autoritarismo e o abuso de poder, aconselhando sobre a importância de proteger e respeitar as classes mais frágeis da sociedade, como os idosos, crianças, pobres e as viúvas.

Apontava a importância de cultivar a honestidade, a paciência, a piedade e a humildade, como meios para alcançar o “maat”, que era a ideia de justiça harmônica e ordem cósmica, descrita pelos egípcios. Também tratava de temas como a gentileza e a integridade.  Advertia sobre a importância de não buscar o poder para si, procurando sempre promover a tolerância. Acreditava que a riqueza e a fortuna eram dádivas de Deus. Ensinava que o fruto do pecado era a punição. Explicava sobre o “caminho da barca” que era uma metáfora a respeito da experimentação como meio de obtenção da experiência de vida. Para Amenemope, a ideia de barca representava simbolicamente a noção de travessia, possibilitando ao homem, percorrer novos caminhos, tendo como finalidade experienciar seu destino, atravessar o mundo em busca de si, como meio de compreensão da realidade, objetivando aprender e ensinar.

Filosofia Teológica

Boa parte da obra possui muita semelhança com os escritos contidos no livro de provérbios, na Bíblia Sagrada. Muitos pensadores e historiadores comprovam que a filosofia hebraica influenciou os escribas do antigo Egito. Um grande estudioso da literatura sapiencial, conhecido por “Whybray”, publicou vários estudos comprovando que a literatura egípcia sofreu influência da filosofia hebraica. Os textos de Amenemope também possuem certa correspondência com textos egípcios mais antigos como as Máximas de Ptahotep. Escrita em formato de “sebayt”, o livro é visto como um “ético da serenidade”, transmitindo conselhos sobre como se importar menos com o sucesso material e procurar mais a chamada paz interior. De acordo com Amenemope, o homem deve se concentrar nos propósitos divinos e aceitar o destino que lhe for projetado por Deus. Os historiadores presumem que a obra “os analectos de Confúcio” tenham sido inspirados nesses compilados de Amenemope. Ensinava a respeito da confiança em Deus e como combater a ansiedade cultivando a tranquilidade. Utilizava a metáfora da balança para representar a medida exata da justiça, descrita também como o peso da verdade, desse modo, ele dizia: “Não altere as escalas nem falsifiques os pesos ou diminua as frações de medida, pois Deus posta-se junto á balança".

Filosofia Sapiencial

+ “Deus é o seu construtor”.

+ “As riquezas criam asas e voam”

+ “O homem propõe, mas Deus dispõe”.

+ “Evite amizade com pessoas violentas”

+ “Tenha cuidado com seus modos à mesa”

+ “Não roube terras e coma do seu próprio campo”

+ "Preserve sua língua de responder a um superior”.

+ “Não provoque nenhum inimigo, quando você não vir suas ações”.

+ “Melhor é pão quando o coração está feliz que riqueza na tristeza”

+ “A rapidez é a fala quando o coração está ferido, mais que o vento”.

+ “Não fique ansioso demais, o Deus está sempre em sua perfeição”.

+ “Melhor é pobreza na mão de deus, que riqueza em um armazém”

+ “Não brigue com o homem argumentativo, nem o incite com palavras”

+ “O escriba que é hábil em seu ofício, é considerado digno de ser cortesão”.

+ “Não se deixem seduzir pelos lábios doces, mas sim pela linguagem amarga”.

+ “Não estenda a mão para tocar um homem velho, nem corte as palavras de um ancião”.

+ “Não fixe seus pensamentos em assuntos externos: para cada homem há seu tempo determinado”.

+ "Não apague o sulco alheio, é proveitoso mantê-lo são. São seus campos e você encontrará o que precisa. Você receberá pão de sua própria eira."

+ “Dê ouvidos, ouça o que é dito, Permita seu coração entendê-las, Deixar estas palavras chegarem ao seu coração é valioso, Mas ignorá-las é danoso”.

+ “As tentativas de obter vantagem em detrimento de outros incorrem em condenação, confunde os planos de Deus, e leva, inexoravelmente, à desgraça e punição”.

+ “Não se esforce para buscar riquezas excessivas quando suas necessidades estão seguras e satisfeitas. Se as riquezas forem trazidas a você por roubo, elas não passarão a noite com você”.

+ “Deixe as palavras boas descansarem no meio do seu ventre, De modo que elas possam ser uma chave para o seu coração, quando há um tornado de palavras, elas devem ser um local de ancoragem para a sua língua”.

Fontes:

ARAÚJO, Emanuel. A literatura no Egito faraônico. Brasília: UnB, 2000.

ASANTE, Molefi Kete. Amenemope. Os filósofos egípcios: antigas vozes africanas de Imhotep a Akhenaton. Chicago: African American, 2000.

BILDA, Jonas Otávio. A Instrução de Amenemope. São Paulo: Clube dos Autores, 2021.

BROWN, Brian. A Sabedoria dos Egípcios. Nova Iorque: Brentano's, 1923.

CARREIRA, José Nunes. Filosofia Antes dos Gregos. Lisboa: Europa-América, 1994.

EMERTON, John Adney. O Ensino de Amenemope e Provérbios: Reflexões adicionais sobre um problema antigo. Artigo de Jornal. Vol. 51. Cambridge: JSTOR, 2021.

IPB, Instituto de Pesquisa Bíblica. Os Provérbios da Septuaginta e a Sabedoria de Amenemope. Internet: Publicação Digital, 2021.

KASTER, Joseph. A Sabedoria do Antigo Egito. Reino Unido: Editora Michael O'Mara, 1995.

MARZAL, Angel. O Ensino de Amenemope. Madri: Marova, 1965.

SHAW, Ian; NICHOLSON, Paulo. O Dicionário do Egito Antigo. Nova Iorque: Princeton University Press, 1995.