sexta-feira, 5 de junho de 2020

Anaxágoras de Clazômenas

Anaxágoras de Clazômenas – (500 a 428) a.C

Autor: Alysomax Soares

Introdução

Foi um filósofo pluralista do período pré-socrático da Grécia antiga que combinou teorias das outras escolas filosóficas de sua época. Alguns historiadores o definem também como sendo o primeiro filósofo dualista de seu tempo, pois relacionava conceitos monistas com ideias múltiplas sobre o movimento. A escola pluralista não trabalhava a ideia de apenas um elemento como princípio de tudo, mas sim de vários elementos. Escreveu uma obra intitulada como “Da natureza ou sobre a natureza”, em que explicava a existência do múltiplo e discorria sobre a organização da natureza. Estudou as áreas da Biologia, Astronomia, Física, Matemática e Filosofia. Foi um dos primeiros filósofos da antiguidade a fundar uma escola filosófica na cidade de Atenas, com isso, ele introduziu em Atenas algumas das ideias iniciais da filosofia pré-socrática e também o conceito de especulação intelectual. Chegou a exercer o ofício de professor por longos anos. Ficou conhecido pela teoria que estabeleceu o “noûs” como princípio original, isto é, como a “arché” que daria origem a tudo no universo. Ele foi um grande amigo do político Péricles de Atenas e mestre do filósofo Arquelau de Atenas. Teria nascido em boa família e doado todas as riquezas que herdou. Nasceu no ano aproximado de 500 a.C, em Clazômenas e veio a falecer, por volta de 428 a.C, na localidade de Lâmpsaco, onde teria se refugiado.

Filosofia Cosmológica

Contribuiu com importantes teorias que relacionavam o campo da astronomia com a matemática. Influenciou consideravelmente os filósofos atomistas, criando teorias sobre a ordem mecânica de surgimento das coisas no universo. Acreditava que a Terra seria oca com formato plano e que ela estaria suspensa no ar. Em relação à Lua, dizia que ela tinha se formado a partir da Terra, mas que estaria localizada abaixo do Sol. Anaxágoras afirmava que o Sol e a Lua não eram deuses como acreditavam os gregos, pois o Sol seria somente uma pedra vermelha e quente, enquanto que a Lua era apenas um grande globo de rocha compacto. Pensava que o Sol era menor que a Terra, tendo somente uma proporção próxima a quatro vezes o tamanho do Peloponeso. Construiu um mapa celeste que demonstrava as fases da Lua. Devido fazer tais afirmações e também por explicar os fenômenos astronômicos do eclipse de maneira contrária ao pensamento da religião grega, ele foi acusado do crime de impiedade, tendo sido condenado à morte por traição aos deuses, acabou sendo preso na época, porém conseguiu fugir antes do cumprimento da sentença. Seu amigo Péricles teria lhe salvado da prisão e o ajudado a se exilar em Lâmpsaco.

Anaxágoras acreditava que a essência de tudo estava no “noûs”, através dele todas as coisas poderiam ser criadas, e que por isso os deuses gregos poderiam ser descartados. Para ele, a inteligência, ou seja, o “noûs” dominava tudo que possuísse vida. Esse princípio ordenador seria divino, puro, onisciente e possuiria uma força descomunal. Segundo Anaxágoras, existia tanto a ideia do “ser” como uma substância imutável, assim como, a noção da existência de múltiplas manifestações da realidade. Ele propusera um modelo de pensamento que atendesse tanto às exigências teóricas do “ser” permanente de Parmênides, bem como também, à explicação do constante movimento de tudo, que era defendida por Heráclito. Uniu ainda, a essas duas ideias, as teorias de outros pensadores da época.

Sua tese estabelecia duas bases fundamentais que era: a noção de “noûs” e a ideia de “homeomerias”. O primeiro chamado de “noûs” era um conceito traduzido como espírito, inteligência, pensamento ou mente. Nesse sentido, ele explicava que o principal elemento gerador de tudo no universo era o “noûs”. Dessa forma, então, do “noûs” se formaria pequenas porções de outra substância denominada de “homeomerias”  que seriam pequenas sementes originárias e infinitesimais, elas eram infinitas tanto em quantidades, como em qualidades, divididas em “partes iguais”, que davam origem a realidade e a pluralidade das coisas. Elas seriam influenciadas pela ação do “noûs”, daí, o “noûs” por ser ilimitado, agiria nessas sementes indo aos poucos formando o mundo sensível e a realidade conhecida. Essa era uma ideia de causa inteligente que estabelecia uma finalidade na evolução universal. Nesse contexto, o “noûs” forneceria as leis básicas que garantiam o controle e o governo do universo.

Filosofia da Natureza

De acordo como Anaxágoras, a natureza seria eterna, por isso ela não poderia ser nem criada e nem destruída. Para ele, o nascer e o morrer não seriam acontecimentos reais, ou seja, nada poderia nascer ou morrer. Dessa maneira, o que ocorreria seria uma ideia de decomposição e recomposição sucessiva das coisas. Logo, as coisas que morrem estão se decompondo e as coisas que nascem estão se construindo, recompondo-se ou refazendo-se continuamente.  Afirmava que as coisas iam surgindo conforme os elementos iriam se agregando, e outras desaparecem quando esses elementos se separam. Da separação e da agregação, é que as coisas surgem e desaparecem. Assim sendo, o “noûs” seria a matéria fundamental e a substância primordial que causava tanto a agregação quanto à separação dos elementos que constituem os seres.

Anaxágoras dizia que: “tudo está em tudo”, pois ele acreditava que até em um fio de cabelo, se fosse dividido por uma partícula, ainda sim conteria todos os elementos da natureza. Segundo ele, em todas as coisas existiam sementes de todas as outras coisas. No grão de trigo, por exemplo, existiria a semente do cabelo, da carne e do osso, caso contrário, ele questionava: “como é que da semente do grão de trigo poderia surgir o cabelo, a carne e o osso?” Dessa maneira, ele concluía que: “tudo sempre esteve e sempre vai estar no – ‘ser’-”. Uma pedra e uma fruta, por exemplo, conteriam em sua essência, os mesmos elementos fundamentais, mas em combinações diferentes, ou seja, se a matéria fosse dividida de maneira infinita até ao menor grau possível, ela conteria em seu aspecto básico todos os elementos de formação básica de toda a matéria.

Para Anaxágoras, as “homeomerias” eram infinitas e as coisas que seriam derivadas delas também eram infinitas, dessa forma, todos os fenômenos da natureza seriam ilimitados. Essas sementes, além de serem eternas, eram de todas as formas, de todos os gostos e de todos os tipos. Elas poderiam ser divididas até o infinito sem nunca deixarem de serem autênticas, pois o “não-ser” para ele, era imutável, portanto, o “não-ser” não poderia existir. Explicava que as partes de uma semente dividida teriam sempre as mesmas qualidades que tinham antes de serem divididas, não possuindo limitações de ordem métrica. O que iria definir que uma coisa fosse o que é, seria a alternância de predominância entre uma e outra semente. Ele acreditava que os elementos possuíam propriedades semelhantes, e que por isso, ao serem divididas até o infinito, elas se repetiam em cada porção. Chamou essa semelhança de “elemento-qualidade”, que ao serem associadas, geravam o “ser”, ou seja, o “noûs”.

Filosofia do Conhecimento

Para Anaxágoras, o conhecimento possuía três estágios principais, que seriam: a experiência-sensação, a memória e a técnica. A experiência-sensação era definida como sendo a relação do homem com o mundo sensorial e implicava na sensibilidade para se sentir as modificações dos objetos externos. Nesse sentido, a maturidade das sensações iria aos poucos preenchendo a memória. Daí, o acúmulo dos conhecimentos na memória iria gerando a sabedoria e esse conhecimento gerava a técnica, que seria a capacidade de utilizar os conhecimentos para construir objetos e modificar a natureza. Ele pensava que a matéria era formada por várias substâncias que constituíam a totalidade do espaço, pois cada elemento existente seria essencial para si e para o todo. Ele acreditava que o pensamento estava nas coisas materiais também, isto é, não era algo separado. Desse modo, o “noûs” fornecia as leis do pensamento que garantiam o processo de conhecimento da realidade.

No campo da Biologia, a sua preocupação em estudar alguns fenômenos da natureza, o levou a relacionar as ideias monistas com a união dos conceitos pluralistas. Com isso, ele conseguiu construir bases teóricas sobre a teoria da evolução. Sua visão de mundo investigava a transformação da natureza tanto das partes como do todo. Assim sendo, Anaxágoras observou todo o processo de mutação da semente até se tornar uma planta. Especulando que no ar continha sementes de todas as coisas, que eram trazidas a terra pela chuva, e dava surgimento às plantas. Para ele, os animais surgiam da relação entre a umidade e o calor, juntamente com a substância “noûs”, desse modo, outros seres surgiam de outros seres, em um processo evolutivo, mas cada um contendo todas as partes essenciais da natureza. Por isso, ele afirmava que as “homeomerias” seriam as sementes fundamentais que continham uma pequena porção de cada coisa. Dessas suas ideias evolucionistas surgiu uma conceituação dada por Aristóteles, em uma de suas obras, que afirmou que Anaxágoras teria definido o conceito de homem como sendo: “O homem é um animal que possui mãos”. Essa ideia abriu horizontes teóricos sobre a importância das mãos no processo evolutivo da humanidade.

Obras:

- Da natureza ou sobre a natureza

Filosofia Sapiencial

- “Tudo está em tudo”.

- “O sol fornece à lua o seu brilho”.

- "O visível abre nossos olhos ao invisível".

- “Em cada coisa existe uma porção de cada coisa”.

- “Prefiro uma gota de sabedoria a toneladas de riqueza”.

- “De todos aqueles que consideramos felizes, não há um que o seja”.

- “Medimos a grandeza de uma ideia pela resistência que ela provoca”.

- “O homem é o mais sábio de todos os seres, porque ele tem as mãos”.

- “A fraqueza de nossos sentimentos impede-nos de alcançar a verdade”.

- “Nada vem à existência nem é destruído, tudo é resultado da mistura e da divisão”.

- “A mente é infinita e autogovernada, e é misturado com nada, mas é só por si mesma”.

- “As coisas que estão no mundo não são divididas nem separadas por um golpe de machado”

- “Em todas as coisas há uma porção do noûs, e há ainda certas coisas nas quais o noûs está também”.

- “Todas as coisas estavam juntas, infinitas em número e em pequenez, pois o pequeno também era infinito”.

- “Os gregos cometem um erro ao admitir o nascimento e a morte, pois coisa alguma se cria ou se perde, mas apenas se une ou separa.”

- “Todas as outras coisas têm parte de cada coisa, mas a inteligência é ilimitada, independente e não misturada a alguma coisa, mas é só em si mesma. Com efeito, se ela não estivesse em si, mas misturada a alguma outra coisa, participaria de todas as coisas, estando misturada a alguma. De fato, em tudo se encontra parte de cada coisa, como já disse, e as coisas misturadas seriam um obstáculo para ela, de modo que não teria poder sobre alguma coisa como tem estando só em si mesma. Com efeito, ela é a mais sutil e mais pura de todas as coisas, possui pleno conhecimento de tudo e tem imensa força. E todas as coisas que têm vida, as maiores, são todas dominadas pela inteligência. A inteligência deu impulso à rotação universal, de modo que desde o princípio se desse o movimento rotatório. E, inicialmente, desde o pequeno iniciou o movimento de rotação, que se desenvolve em direção ao grande e se desenvolverá ainda mais. E todas as coisas formadas por composição, as formadas por separação e as que se dividem, toda a inteligência reconheceu; e as coisas que estavam para ser, as que eram e agora não são mais, todas as que são agora e as que serão, toda a inteligência dispôs, bem como a rotação que é percorrida agora pelos astros, o sol, a lua e aquela parte de ar e de éter que vai se formando. E foi precisamente a rotação que empreendeu o processo de formação. E se forma por separação: o denso do ralo, o quente do frio, o luminoso do obscuro e o seco do úmido. E há muitas partes de muitos. Completamente, porém, nada se forma nem as coisas se dividem uma da outra senão através da inteligência. E a inteligência é toda ela semelhante, a maior e a menor. Mas, por outro lado, nada é semelhante a nada, mas toda coisa é e era constituída pelas coisas mais vistosas das quais mais participa.” 

Fontes:

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