domingo, 13 de novembro de 2022

Nuno Marques

Nuno Marques – (1652 a 1733) d.C 

Autor: Alysomax Soares

Introdução

Nuno Marques Pereira foi um filósofo moralista luso-brasileiro do período colonial. Adotou em seu estilo os elementos da arte barroca. Utilizou-se da literatura alegórica e da narrativa informacional para descrever seus saberes filosóficos. Escreveu sua “magnum opus” intitulada de “O Peregrino da América”, registrando, com isso, sua participação na vida literária brasileira. Devido seu trabalho singular na literatura basílica, a Academia Brasileira de Letras (ABL) relançou várias outras edições de sua obra. Seu escrito transcorria a respeito de questões morais e espirituais da alma humana, pois era essencialmente de cunho moral-social e ético-cristã. Também revelava alguns enaltecimentos sobre a beleza tropical do Brasil. Trabalhou como escritor e presbítero secular do hábito de São Pedro. Chegou a cursar Direito na universidade de Coimbra, em Portugal. Foi homenageado como patrono da cadeira número 7 do antigo Silogeu Brasileiro. Seus escritos são considerados importantes fontes que retratam a história, a etnografia, a literatura e o folclore do período colonial. Nasceu no município de Cairú na Bahia, em 1652, e faleceu na cidade de Lisboa, por volta de 1733. 

Filosofia Moral

Tratou em sua obra sobre a relação das práticas morais com os saberes teológicos. Transcorreu sobre acontecimentos fantasiosos, singulares e curiosos que refletiam alguns dos aspectos sociais. Nesse sentido, era considerado um dos fundadores da narrativa ficcional brasileira. Ao longo de sua obra são descritos vários conhecimentos sobre a história da filosofia antiga e medieval. Seu trabalho foi caracterizado por estudiosos como sendo um saber enciclopédico, pois reunia várias informações e estudos sobre assuntos variados. Na esfera literária, o texto não se moldava a nenhuma estrutura textual específica, dado que a narrativa possuía uma pluralidade tipológica, impedido uma delimitação concreta, mas demonstrando uma riqueza de gêneros. A obra utilizava a figura de linguagem como modo de representação entre a ficção e a realidade, ou seja, um simbolismo alegórico. Sua teologia moral se ancorava na tese de que todos os homens eram apenas peregrinos na Terra, e que a verdadeira pátria do ser humano seria o céu. Posto isso, ele citava que:

“Ainda há muito esforço para adquirir as seis virtudes da piedade religiosa, justiça, prudência, magnanimidade e temperança. Entre as quatro virtudes morais, a sabedoria deve ser especialmente levada em consideração. Em primeiro lugar, a alma deve distanciar-se de toda leitura e opinião que não trata de Deus. A seguir, fuja das más companhias, imitando os virtuosos e sábios. Em terceiro lugar, conseguir uma viabilidade transparente e verdadeira entre o interior e o exterior. Quarto, empregue nosso entendimento no conhecimento “volitivo” e “eletivo” do que é realmente bom. Essa seria a melhor maneira de servir a Deus e aos homens. Portanto, nossa vida deve ser uma peregrinação patrocinada pela graça de Deus para obter o fruto desejado do Reino dos Céus." (Nuno Marques, 1728).

O livro retratava uma narrativa em torno de um peregrino que se deslocava do interior da Bahia em direção a Minas Gerais. O protagonista revelava que não estaria em busca de ouro ou de riquezas materiais, mas sim da salvação eterna. No caminho o peregrino trava um diálogo com um ancião. O velho demonstra um sério interesse em analisar as causas das perturbações políticas que assolavam o Brasil. Durante a caminhada de um dos itinerantes, aos poucos vão se desvelando na obra, alguns elementos mágicos que estão ligados ao folclore brasileiro e aos multiculturalismos regionais. A peregrinação descrita evidenciava o homem em seu aspecto dinâmico, mostrando uma ideia de movimento que estaria conectado com a transitoriedade da vida. No transcorrer do diálogo, o personagem da obra vai paulatinamente introduzindo suas reflexões e críticas morais. Dessa forma, a existência humana se revelava em uma teia de significações e relações entre o mundo material, espiritual e divino. Nesse ínterim, o “eu lírico” proferia algumas críticas às situações sociais que se mostravam ao longo do caminho como, por exemplo, as desordens urbanas, o fanatismo religioso e as injustiças sociais. Assim sendo, Marques advertia que:

“É este mundo estrada de Peregrinos, e não lugar nem habitação de moradores; porque a verdadeira Pátria é o Céu. Pela razão de ser o céu nossa Pátria, cuida para que da eternidade nunca vos descuideis, pois a presença de Deus é o ‘Sumo Bem que se pode desejar’.” (Nuno Marques, 1728).

 

Filosofia da Mente

Segundo algumas fontes, sua obra também refletia a respeito de conhecimentos psíquicos da alma humana, relacionando esse saber com ideias dinâmicas do barroquismo. Diante dos desafios que surgiam no caminho do peregrino, o autor descrevia ideias relacionadas à “psicomaquia”, isto é, a existência de uma batalha espiritual entre as virtudes e os vícios humanos. Seus ensinamentos morais se relacionavam com as vicissitudes existenciais que assombravam a alma humana. Misturava cenas do cotidiano e da realidade com misticismo e ficção. O sincretismo cultural, que o movimento do barroco promoveu no Brasil colônia, colaborou com a construção dos primeiros passos da identidade brasileira. Despertando a autonomia e a autenticidade do espírito nacional. Dessa forma, a obra se revelou como sendo um fiel espelho dos costumes, do ambiente social, do aspecto político e cultural que permearam o período colonial.

Nuno também desvelava a importância do tempo na vida do homem e as formas de como saber utilizá-lo de maneira produtiva. Nessa perspectiva, ele tecia um paralelo entre o tempo e a eternidade. Descrevendo que o tempo seria como uma dimensão finita devido à existência da noção de duração, já a eternidade era uma grandeza sem princípio e nem fim. A questão da eternidade era analisada se demostrando que para saber empregar bem o tempo, fazia-se necessário saber que, em sua duração, deve-se saber cuidar da eternidade. Desse modo, ele pontuava que: No fim do tempo: “não haveria mais tempo”, pois “dali por diante não haverá mais que eternidade, a qual durará enquanto Deus for Deus, que será para sempre sem fim”.

Fatos e Curiosidades:

Relata-se que o título original de sua obra-prima era muito extenso, segundo fontes históricas, as primeiras edições continham o seguinte título: "Compendio narrativo do peregrino da América em que se tratam vários discursos Espirituais, e morais, com muitas advertências, e documentos contra os abusos, que se acham introduzidos pela malicia diabólica no Estado do Brasil. Dedicado à Virgem da Vitória, imperatriz do céu, rainha do mundo, e Senhora da Piedade, Mãe de Deus".

Filosofia Sapiencial

+ “O ouro tem valor conforme seu dono”.

+ “Os homens estão doentes de avareza e cobiça”.

+ “As enfermidades da alma não se curam com a mudança do lugar”.

+ “Pus-me na rua, na rua que já me pudera então considerar: a chamada rua da amargura”.

+ “Que fujais muito de que vos enganem os três inimigos da alma, que são: Mundo, Diabo e Carne”.

+ “Devemos empregar bem o tempo para vivermos uma vida reformada, e termos uma morte preciosa”.

+ “E como o vi prostrado por terra, o considerei escarmento da soberba, horror da morte, desengano da vida”.

+ “Mais atormenta ao homem o temor de perderem a fazenda que possuem, do que foi o gosto que tiveram em adquiri-la”.

+ “Não há no homem firmeza, nem estabilidade, que por muito tempo dure; por andar sempre em uma perpétua mudança”

- “Reparai que: sendo só de uma mesma espécie este metal (ouro), toma os efeitos das pessoas, em cujo poder se acha”.

+ “É este mundo estrada de Peregrinos, e não lugar nem habitação de moradores; porque a verdadeira Pátria é o Céu”.

+ "Todos somos peregrinos neste mundo: e de que devemos obrar com acerto, para chegarmos a nossa pátria, que é o Céu".

+ “Bem é verdade, que me dirão muitos, que escrever, e ainda em matérias espirituais, só incumbe a seus professores, e que eu o não sou”

+ “Porque a Cruz é o principio, meio, e fim eficaz da nossa salvação; por ter sido o principio de toda a formação do gênero humano principiado em Adão”.

- “As riquezas fazem aos homens altivos, soberbos e invejosos: e que são poucos os ricos e grandes do mundo que não tenham estes efeitos consigo”.

+ “Não merece pouca estimação, o que, desprezando os mimos e regalos de sua Pátria, busca as alheias, para nelas se qualificar com mais largas experiências”.

+ No fim do tempo: “não haveria mais tempo”, pois “dali por diante não haverá mais que eternidade, a qual durará enquanto Deus for Deus, que será para sempre sem fim”.

+ “Se bem repararmos que coisa é a vida de um homem neste mundo”, vemos que ele vive sempre “apetecendo glórias até possuí-las, e na mesma posse temendo perdê-las”

+ “Por cuja razão é o sair da Pátria, o que faz aos homens mais capazes, e idôneos para mui grandes empresas, e suficientes para tudo; como o tem feito a tantos Varões ilustres”.

+ “Pode um homem matar em sua fiel defesa, ou por algum outro incidente, que poderá ter desculpa. Pode furtar em tão extrema necessidade, que não seja pecado, porque no tempo da necessidade extrema todos os bens são comuns”.

+ “A soberba pomposamente vestida de escarlata, com uma capa roçagante, e um escudo, e nele escrita em letras, uma frase que dizia: Sou a Soberba invejosa, semelhante ao Inferno: e por isso meus sequazes padecem de um mal eterno”.

+ “De mim têm falado vários autores sagrados e humanos; e que existo no mundo, desde o primeiro século em que Deus me fez e toda esta máquina do Universo. E sabei que também hei de ter fim e que será a minha duração tão somente até se acabar o mundo”.

+ “Vede agora quanto maior razão eu tenho para trazer-te as moralidades, e humanidades, com que te pretendo lisonjear o gosto neste livro que te ofereço, para debaixo delas te dizer e mostrar s6lidas virtudes, com relações muito exemplares. Desejo só agradar e servir a Deus”.

+ “A experiência ocularmente nos está mostrando que toda a criatura racional, depois que morre, com uma das duas eternidades se vai encontrar. Ou com a da Glória, cuja grandeza é inexplicável, pelo incomparável bem de que gozam os que a ela vão: ou com a do Inferno”, onde “nunca se acaba de morrer, por serem as penas eternas na duração”.

+ “Sobre a paixão, vamos ao remédio, que me pedistes. Haveis de saber, que para sarar do amor e dessa enfermidade (a paixão) é necessário haver ausência. Muitas doenças se curam só com a mudança do ar: porém, a do amor só se cura com a (mudança) da terra. É o amor, como a lua, que em havendo terra (distância) entre meio, logo se eclipsa”

+ “São os versos  uma  recreação  honesta,  em  que  o  entendimento  tanto  se  diverte,  que  esquecendo-se  do  penoso  que  o  aflige,  se  suaviza na ocupação de os compor, ou ler, não só entre a gente popular  e  plebeia,  mas  também  entre  os  mais  nobres  e  grandes  príncipes”.

+ “Primeiramente, haveis de saber que as causas excessivamente intensas produzem efeitos contrários. A dor faz gritar, mas se é grande, faz emudecer; a luz faz ver, mas se é excessiva, cega: a alegria alenta, mas se é estupenda, mata; o amor pode ser extremoso que passa loucuras; o ódio poderá ser tão extraordinário, que cometa absurdos; as espécies se fazem venenos e matam, tanto que passam dos quatro graus de quente a frio. Esta é a razão porque mata o grande pesar ou a demasiada alegria.”

+ “Mas, falando agora dos efeitos do pesar: sabeis que o homem tem alma racional, que os outros animais não têm. Dela resultam a reminiscência, memória, entendimento, razão e vontade, situadas na cabeça, membro mais nobre do corpo, sítio e morada da alma racional. Pelo entendimento entende e sente os males e danos recentes; pela memória, os males passados; pela razão espera e teme os males futuros, e pela vontade aborrece; estes três gêneros de males, presentes, passados e futuros, ama, deseja, teme e aborrece”.

+ “Porém, há de ser com intenção de não mudar só de lugar, senão também de costumes; porque é certo, que quem peregrina acompanhado de seus vícios, mais valera não haver saído; pois tornará mais perdido, que aproveitado: porque as enfermidades da alma não se curam com a mudança do lugar. O Peregrino vai por onde há de achar cada dia novos costumes, e os deve ser, e aprovar; e não repreendê-los: pois é mais razão acomodar-se ao uso da terra, que pertencer, e querer trazer aos mais ao costume da sua Pátria. Há de considerar que vai obedecer às leis, que achar estabelecidas; e não a dar regra aos mais: e que vai aprender, e não a ensinar. E peregrinando assim, se qualificará em um perfeito Herói”

+ “O cevado, enquanto vivo, para nenhuma coisa serve; e só trata de comer, e engordar: o que se não acha em outros animais, como largamente tratam vários Autores, e com especialidade Jerônimo Cortez no seu Tratado dos Animais, assim domésticos, como silvestre, e ainda voláteis. Porque vemos, que o boi trabalha, o cavalo carrega, o carneiro dá lã, a cabra dá leite, o cão caça, o gato limpa a casa: e finalmente não há animal, que não tenha o seu ministério. Porém, o Cevado, só depois de morto se aproveitam dele: come-se a carne, guarda-se a banha, apanha-se o sangue, não se lhe perdem os miúdos, e finalmente tudo se lhe aproveita. Assim também o rico avarento: em quanto vivo, para nada vale; tanto que morre, para todos serve. Aparece o dinheiro, que tinha escondido, e talvez pelo ter furtado: come o parente, aproveita-se o testamenteiro, pagam-se os clérigos, remedeiam-se os pobres, satisfaz-se aos que trabalharam no Funeral: e enfim todos se aproveitam, porque em sua vida a ninguém prestou.”

Obras:

+ O Peregrino da América

Fontes:

AUGUSTO, Sara. Peregrino do Paraíso: o compêndio narrativo de Nuno Marques Pereira. Teografias II: Gramáticas da Criação. Coimbra: UC, 2012.

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CALMON, Pedro. História da Literatura baiana. Rio de janeiro: José Olympio, 1949.

CASTELLO, José Aderaldo. A literatura brasileira; origens e unidade. (1500-1960).  São Paulo: Editora Edusp, 1999.

COUTINHO, Afrânio. O Peregrino da América: III. Releituras. Revista Iberoamericana. Rio de Janeiro: UFRJ, 1977.

FHL, Biblioteca Virtual. Nuno Marques Pereira: 1652-1728. Madrid: Fundação Ignácio Larramendi, 2008.

FILHO, José Adriano. Combate ao Mundo e Conquista do Paraíso: Ficção e Alegoria no Compêndio Narrativo do Peregrino da América. Tese de Doutorado. São Paulo: Unicamp, 2013.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Capítulos de Literatura Colonial. São Paulo: Brasiliense,1991.

LIMA, Nayara Franciele. O Peregrino da América e André Peralta: Dois Personagens Itinerantes do Século XVIII. Tese de Mestrado. Uberlândia: UFU/LETRAS, 2009.  

MASSIMI, Marina; DE PAULA, Sergio Peres. Uma Resenha de Três Autores do Brasil Colonial a partir da Ótica Agostiniana da Temporalidade. Revista Psicologia em Pesquisa. Juiz de Fora: UFJF, 2014.

PARANHOS, Haroldo. História do romantismo no Brasil. São Paulo: Edições Cultura Brasileira, 1937.

PEREIRA, Nuno Marques. Compêndio Narrativo do Peregrino da América. Col. Afrânio Peixoto. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 1988.

RODRIGUES, Anna Maria Moog. Compêndio Narrativo do Peregrino da América de: Nuno Marques Pereira.  Revista Estudos Filosóficos nº 7São João del-Rei: DFIME /UFSJ, 2011.

SODRÉ, Nelson Werneck. O que se deve ler para conhecer o Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976.

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