sexta-feira, 20 de maio de 2022

Clóvis Beviláqua

Clóvis Beviláqua – (1859 a 1944) d.C

Autor: Alysomax Soares

Introdução

Foi um filósofo cearense ligado as correntes de pensamento da filosofia jurídica. Além do Direito, seus estudos também contribuíram para várias outras áreas do saber como História, Filosofia, Psicologia, Economia, Política e Literatura. Atuou como escritor, jurista, professor e historiador.  Iniciou seus estudos no Ateneu Cearense de Sobral, tendo logo em seguida frequentando o Liceu do Ceará em Fortaleza. Aos 17 anos passou a morar por um tempo no Rio de Janeiro onde trabalhou no Jornal “Laborum Literarium”. Posteriormente, teria concluído seu Bacharelado em Direito na Faculdade de Recife. Teve como mestre e orientador o filósofo Tobias Barreto, em vista disso, participou do famoso movimento filosófico conhecido como Escola de Recife. Mudou-se novamente para Fortaleza e ajudou na elaboração da Constituição do Ceará. Nessa época, teria se afeiçoado com o movimento filosófico e literário da chamada Academia Francesa do Ceará. Defendeu os preceitos republicanos através de suas teorias jus-filosóficas.

Laborou como promotor público na cidade de Alcântara no Maranhão. Também chegou a trabalhar como bibliotecário e professor de filosofia em Recife. Foi o autor do primeiro projeto do Código Civil Brasileiro. É considerado um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira de número catorze, e patrono da Academia Cearense de Letras. Fez parte do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil. Biógrafos afirmam que Clóvis era desafeto as vaidades e ambições sociais, não comungava em busca de status, às vezes chegava ao ponto de recusar títulos e cargos públicos que lhe eram oferecidos. Devido o seu estilo de vida despretensioso e respeitoso, foi alcunhado de “o santo laico”. Nasceu em viçosa no Ceará, em 1859 e faleceu no Rio de Janeiro por volta de 1944, dentro de sua biblioteca, de falência física e ainda com os seus instrumentos de escrita nas mãos.

Filosofia do Direito

Premiou o Brasil com um vasto legado cultural e jurídico que funcionou como fonte e bússola orientadora das atividades do Direito. Tinha uma visão humanista e social em relação ao campo jurídico, pois teria sofrido grande influência literária e filosófica.  Seu objeto de estudo se direcionava para as noções do Direito comparado, isto é, ramo da ciência jurídica que estuda as diferenças e as semelhanças dos diversos ordenamentos jurídicos existentes na história. Posicionava-se ao lado das correntes filosóficas positivistas, evolucionistas e monistas. Era visto na área jurídica como um civilista, devido sua notável atuação no Direito Civil, ele viu no campo jurídico uma bússola de orientação para regulação do organismo social. Acreditava que o Direito seria um fenômeno social em conformidade com o mundo, por isso, essa ciência poderia ser considerada como sendo um grande organismo dotado de um sistema com tecidos e órgãos. Alguns pensadores pontuam que a obra de Clóvis teria um caráter universalista, pois relacionava seu vasto saber científico com a realidade e suas implicações no mundo jurídico.

Ensaiou alguns estudos também no campo do Direito Internacional, chegando inclusive a ocupar o cargo de consultor do Ministério das Relações Exteriores, exercendo importantes atividades na diplomacia brasileira. Sua obra apresentou inovações em alguns campos do Direito brasileiro, como, por exemplo, a criação de regulações para a locação de serviços. Em relação ao direito da família, ele contribuiu com a questão da investigação da paternidade e o reconhecimento dos filhos ilegítimos.

Filosofia Política

Na arena política se inclinava na direção do liberalismo, dado que sustentava a noção de liberdade e unidade do espírito nacional. Diante disso, ele se mostrava a favor dos princípios democráticos. Era um grande defensor dos ideais republicanos e abolicionistas, pois lutava em prol da construção de um pensamento nacional. Pontuava que a abolição da escravatura teria legado ao Brasil um grande abismo social, por isso, caberia ao Estado promover uma reorganização social para inserir esses novos cidadãos na sociedade moderna, pois muitas dessas pessoas tinham passado a sobreviver à margem da coletividade. Posto isso, ele compreendia que o liberalismo não poderia se dissociar da democracia, ou seja, ambos eram meios de ligação na corrente da construção da soberania nacional.

Diferenciava os conceitos de Estado e sociedade, pontuando que sociedade seria: “uma concepção do universo, como um campo onde as instituições se transformam conduzidas por forças seletivas da experiência e da razão”. Enquanto que o Estado poderia ser delimitado como sendo: “um agrupamento humano, estabelecido em determinado território e submetido a um poder soberano, que lhe dá unidade orgânica”. Ainda segundo o ilustre filósofo, o Estado deveria ser dotado de três elementos básicos para a sua formação: povo, território e soberania. Ele teria por fim a conservação da segurança, quer contra os inimigos de fora quer contra as perturbações internas.

Criticava o fascismo italiano explicando que essa forma de governo empurrava o indivíduo para uma situação de submissão ao Estado. Com isso, criava-se uma desarmonia de âmbito social, promovendo, em razão disso, um desvio na evolução da espiritualidade humana. Dessa forma, aconteceria uma apreensão total do indivíduo pelo Estado. Posicionou-se contrário as ideologias sovietistas afirmando que estas sofreriam de um pecado original, pois elas não seriam produto de uma evolução social e natural de um povo, mas sim de uma construção artificial baseada em teóricos simpáticos a luta de classes, desse modo, observava que o regime comunista seria apenas uma contraversão de conduta, isto é, uma ditadura do proletariado.

Filosofia do Conhecimento

Clóvis advertia sobre a não existência de verdades absolutas, mas acreditava que o homem poderia se aproximar do conhecimento verdadeiro, pois ele pensava que a ciência caminhava em direção a uma constante transformação. Essas mudanças ocorreriam tanto no meio social como também na vida acadêmica e científica. Dessa forma, as teorias iriam se moldando conforme o tempo e espaço, criando e recriando novos paradigmas no tecido social, e com isso, reformulando seus sistemas de pensamento de forma constante. Nesse sentido, ele esclarecia que o conhecimento teria certa falibilidade, mas que o amadurecimento do conhecimento se dava em todas as áreas do saber. Dessa maneira, ele advogava em favor do rigor filosófico como fonte de transformação e evolução do conhecimento. Compreendia o saber filosófico como sendo um processo de sistematização do conhecimento que sintetizava, generalizava e unificava a completude do saber humano. Nesse contexto, ele teria sofrido grandes influências dos pensadores Augusto Comte e Herbert Spencer.  

Na sua visão, o Direito se construía através das relações sociais estabelecidas entre o homem e a sociedade, dessa troca, nasceria uma fonte de conhecimento vindo de filósofos, historiadores, psicólogos e sociólogos. Portanto, os juristas analisavam esses dados produzidos por essas áreas e elaboravam um saber crítico referente à teoria do Direito. Dessa forma, Clóvis defendia o estudo da sociologia e da psicologia para a complementação do saber jurídico, por entender que a compreensão do homem dentro do contexto de seu universo não seria possível sem a percepção social e a cognição da psique. Nessa perspectiva, ele também era visto como sendo um conciliador das variadas tendências culturais que se distinguiam.

Filosofia da Educação

Defendeu uma reformulação no ensino do Direito e na Educação Brasileira, pois acreditava que a educação deveria se voltar para questões mais realistas da sociedade e para resoluções de problemas sociais dos quais o país estava enfrentando. Explicava que o Estado necessitaria proporcionar uma educação jurídica crítica que abrangesse tanto os pontos a favor como os contrários a uma determinada linha de pensamento, pois, com isso, se formaria uma classe intelectual melhor desenvolvida. Pensava a atividade jurídica como sendo uma ferramenta de natureza educacional. Compreendia que a Educação seria um dos caminhos para as transformações sociais. Considerava que a mulher tinha um papel importante na educação dos filhos. Dessa forma, ele pontuava que: “o ensino da primeira idade é preciso ser dado em família, para que bem longe se lance pela vida do homem a salutar influência feminina”. Beviláqua era considerado um homem a frente do seu tempo. Sua obra era caracterizada como um marco civilizatório para época.

Anedotas:

De acordo historiadores, o jurista aqui descrito adorava bichos, daí certo dia alguém teria se dirigido à casa do seu avô para pegar um parecer por ele concluído. No entanto, Clóvis teria feito o cliente esperar, porque um gato estava dormindo sobre o volume de livros e papéis. Tranquilamente, ele disse: “Vamos esperar o gatinho acordar”.

Em outro momento, conta-se que Clóvis certa vez gastou "sem contos de réis" em joias para sua esposa, mas a empregada de sua casa teria roubado as peças. Clóvis, porém, em um ato de extrema compreensão, não a condenou, dizendo que: “se ela as tinha levado era porque precisava”.

Curiosidades

Relata-se que Clóvis teria deixado de frequentar a Academia Brasileira de Letras após sua esposa “Amélia de Freitas Beviláqua” ter sido negada a concorrer a uma vaga na academia pelo simples fato de ser mulher. A academia teria alegado que o estatuto não permitia que houvesse mulheres acadêmicas na casa. Diante disso, Clóvis e outros intelectuais de peso se desligaram da ABL decepcionados com esse tipo de posicionamento.

Segundo relatos, Clóvis Beviláqua teria prestado concurso para o cargo de professor do colégio Dom Pedro II; porém, o resultado que vinha sendo cobrado pelo Imperador não saía. Em dado momento o Imperador quis saber mais detalhes sobre o tal 1º lugar no concurso; como viu que estavam lhe "enrolando", exigiu que lhe trouxessem a prova deste candidato. Depois de lê-la e ficar impressionado com a riqueza do trabalho de Clóvis, perguntou: Por que vocês ainda não aprovaram este rapaz? Seu trabalho é brilhante. Como reposta lhe foi dito: Porque soubemos que ele é republicano, estamos vendo outro. Dom Pedro II, do alto da sua sabedoria, assim falou: E o que isso tem a ver? Contratem logo este rapaz. Ele é o melhor e o que queremos pra cá é o melhor. Assim foi contratado Clóvis Beviláqua.

Comentários de Filósofos

A respeito de Clóvis em um evento, Rui teria dito: “Eis aí no palco, o maior jurista brasileiro de todos os tempos”. (Rui Barbosa).

Obras:

- A filosofia positivista no Brasil

- Criminologia e Direito

- Direito das Obrigações

- Direito de Família

- Direito Público Internacional

- Épocas e individualidades

- Economia Política

- Esboços e Fragmentos

- Juristas Filósofos

- Direito das Coisas

 

Filosofia Sapiencial

- "O mundo é um vasto campo de batalha".

- “Não deixe que seus sonhos percam a força de voar”.

- "A luz surpreenderá o vício, a gargalhada o esmagará”.

- "É um erro supor que o pensamento é escravo da vontade".

- “O Direito é uma ciência moral, colocada entre a Filosofia e a História”.

- "As dores, os desgostos e as angústias precocemente desbotam o talento".

- “A política atende ao governo dos povos; a filosofia é síntese do saber humano”.

- “A inteligência irmanada com a força de vontade e com a esperança produz uma ideia”.

- “Quando um país está atrasado por falta de atividade intelectual é impossível que ele se eleve”.

- “Todo moço é ávido de glória, pois tem no coração um gérmen imperecível da animosa esperança”.

- “Com a lei o direito adquire, em lucidez e segurança, o que perdeu em flexibilidade e movimento”.

- "Por sobre as ruínas das escolas e a queda das tentativas falhas se levantará o majestoso vulto da verdade".

- “O Direito não é um filho do céu, é, simplesmente, um fenômeno histórico, um produto cultural da humanidade”.

- “O caráter essencial da filosofia, o que a distingue de todos os outros conhecimentos, é a universalidade”.

- “Por toda parte, o homem vive em sociedade e o direito, embora variável, é o modo necessário de organizar a sociedade”.

- “A liberdade há de ser disciplinada pelo direito para não perturbar a paz social, que por sua vez assegura a expansão da liberdade”.

- "A síntese da política republicana democrática é Liberdade dentro da ordem, igualdade em face da lei e justiça garantindo a ordem, a liberdade e a igualdade”.

- “O positivismo não é uma criação exclusiva de Augusto Compte, porém uma simples adesão às tradições dos grandes espíritos científicos, cujas descobertas fizeram da raça humana o que ela é atualmente”.

- “Creio na moral. Por que é utilidade de cada um e de todos transformada em justiça e caridade, expunge a alma das inclinações inferiores, promove a perfeição dos espíritos, a resistência do caráter, a bondade dos corações”.

- “Assim como o lago, cristalino ou turvo, reflete o firmamento, cada um de nós reflete, fraca ou fortemente, o espírito dominante na época em que vive, porque o homem é parte componente do meio social, cuja influência necessariamente recebe”.

- “Creio mais nos milagres do patriotismo, porque o patriotismo é forma social do amor, e como tal, é força irresistível e incomensurável; aos fracos dá alento, aos dúbios decisão, aos descrentes fé, aos fortes ilumina, a todos une no feixe indestrutível, quando é preciso agir ou resistir; não pede inspiração do ódio e não mede sacrifício para alcançar o bem comum”.

 

Fontes:

BEVILÁQUA, Clóvis. Direito Público InternacionalA síntese dos princípios e a contribuição do Brasil. vol. 02. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1911.

_________________ Esboços e Fragmentos. Rio de Janeiro: LAEMMERT & C, 1899.

_________________ Juristas Filósofos. Salvador: Ed. José Luís da Fonseca Magalhães, 1897.

_________________ Teoria Geral do Direito Civil. 2ª ed. Rio de Janeiro: 1976.

BRASIL. O centenário de nascimento de Clóvis Beviláqua. Revista Do Serviço Público. Brasília: RSP, 1960.

COSTA, Heribaldo. Ciência Política. Revista: Direito Público e Ciência Política. Vol. 06, N; 01. Rio de Janeiro: UFC, 1963.

COSTA, Judith Martins. Clóvis Beviláqua e escola de Recife. Revista: RIDB. São Paulo: fdul, 2013.

HOLANDA, Ana Paula Araújo. Influências de Clóvis Beviláqua na codificação civilista brasileira. Fortaleza: UFC, 2021.

LIMA, Rogério Medeiros Garcia. O jurista e Filósofo Clóvis Beviláqua. Revista Judiciária do Paraná. N; 09. Curitiba: Pronta, 2015.

MUNHOZ, Laertes de Macedo. A criminologia de Clóvis Beviláqua. Revista da Faculdade de Direito do Paraná. Vol. 08. Biblioteca Digital de Periódicos: UFPR, 2013.

PAIM, Antônio. A Filosofia da Escola do Recife. Biblioteca do pensamento brasileiro. São Paulo: Editora Convívio, 1981.

_________________O estudo do pensamento filosófico brasileiro. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1979.

PEREIRA, Antônio Celso Alves. Clóvis Beviláquia e o Direito Internacional. Revista IHGB. Rio de Janeiro: UERJ, 2017.

REALE, Miguel. Figuras da inteligência brasileira. Fortaleza: Edições UFC, 1984.

SILVA, Wilton Carlos Lima. O único luxo de um santo laico: fotografias pessoais em biografias de Clóvis Beviláqua. Revista Brasileira de História e Ciências Sociais. Vol. 5 Nº 9. Porto Alegre: FURG, 2013.

SHUBSKY, Cássio. Clóvis Beviláqua: um senhor brasileiro. São Paulo: Editora Litra, 2010. 


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