quinta-feira, 24 de novembro de 2022

Galileu Galilei

Galileu Galilei – (1564 a 1642) d.C

Autor: Alysomax Soares

Introdução

Galileu de Vincenzo Bonaiuti de Galilei foi um filósofo racionalista italiano ligado as correntes de pensamento cientificistas do período renascentista. Destacou-se nas áreas da Física, Matemática e Astronomia. Considerado um dos fundadores da ciência moderna, ele iniciou seus estudos em um mosteiro jesuíta, localizado na Toscana. Chegou a cursar Medicina na Universidade de Pisa, mas abandonou o curso para estudar Filosofia, Matemática, Física e Astronomia. Tido por muitos como um polímata, teria ministrado aulas de Geometria, Mecânica e Astronomia na Universidade de Pádua. Era filho de um comerciante de lã e músico chamado Vincenzo Galilei com a senhora Giulia Amnannati. Pelo fato de ter tornado público suas crenças, estudos e teorias, ele foi acusado de heresia pela Igreja Católica. Nesse ínterim, foi perseguido e julgado pela Igreja, que considerava suas teorias controversas e polêmicas. A inquisição passou, então, a ameaçá-lo com a pena de morte para que ele negasse suas descobertas. Após isso, foi condenado à prisão domiciliar até o final de sua vida. Nasceu na cidade de Pisa, em 1564 e faleceu na localidade de Arcetri-Florença, em 1642. Estava quase cego por observar as manchas solares sem a devida proteção.

Filosofia das Ciências

Fundamentou cientificamente a teoria Heliocêntrica de Nicolau Copérnico, contribuindo, assim, para uma grande revolução na ciência. Realizou algumas pesquisas no campo da hidrostática, da dinâmica e da mecânica dos corpos. Comprovou através de experiências científicas a chamada “Lei da queda dos corpos”. Segundo Galileu: “Dois corpos, caindo a um só tempo de alturas iguais, tocarão o solo no mesmo instante, apesar da diferença de peso”. Nesse experimento, ele teria lançado dois objetos do alto de uma torre, sendo um objeto mais leve que o outro. Ambos chegaram ao solo ao mesmo tempo, comprovando, então, sua teoria. Elaborou métodos simples de determinação do centro de gravidade dos sólidos. Teve grande destaque nas pesquisas sobre geometria, sobre o movimento uniformemente acelerado e também a respeito do movimento retilíneo uniforme. Após a realização de observações sobre os períodos constantes dos fenômenos físicos, ele sistematizou a chamada “lei do pêndulo” e os princípios da “lei da inércia”.  

Filosofia do Conhecimento

Visto por muitos como o “Pai da Ciência Moderna”, ele teria sido pioneiro no método científico experimental. Segundo Galileu, a justificação do conhecimento científico se dava por processos objetivos como a observação, experimentação e demonstração, ou seja, de forma impessoal. Por isso, era necessário separar o saber teológico da ciência racional, isto é, separar fé e razão. A ciência deveria se apropriar da razão natural do homem, como, por exemplo, seus sentidos, seu intelecto e suas linguagens, para, com isso, construir uma autonomia da razão científica, ou melhor, com critérios diferentes dos que eram adotados pelas religiões. De acordo com Galileu, os resultados experimentais deveriam estar acima de qualquer autoridade. Dessa forma, todas as hipóteses levantadas pelos cientistas deveriam ser verificadas por meio da realização de experimentos e de cálculos. Os cientistas deveriam comprovar suas teorias através de métodos científicos, que fossem bem elaborados, sem achismos ou superstições. Ao elaborar uma hipótese, por exemplo, ele antes determinava seu objeto de estudo, a partir daí, selecionava algumas possíveis variáveis que pudessem suplementar sua teoria. Nesse contexto, ele dizia que: “penso que na discussão dos problemas da natureza deveríamos começar não pelas escrituras, mas antes pelas experiências e demonstrações.”.

Filosofia Astrofísica

Fez importantes descobertas astronômicas através da observação direta dos astros com sua luneta. Defendeu o conceito de que a Terra não era o centro do universo, afirmando que o Sol é que seria o centro do Universo e que os planetas giravam ao seu redor. Detectou manchas presentes na superfície do Sol, essa descoberta contribuiu para provar sua teoria de que a descrita estrela girava sobre um eixo. Localizou as quatro maiores luas de Júpiter, denominadas de: Europa, Calixto, Ganímedes e Lo, as quais ficaram conhecidas como “as Luas de Galileu”. Identificou as montanhas e crateras existentes na superfície da Lua. Descobriu os anéis de Saturno e alguns aglomerados de estrelas. Realizou estudos a respeito das fases de Vênus. Explicava que a Via Láctea era constituída de uma massa enorme de aglomerados de estrelas compactadas. Nesse sentido, ele descrevia que: “o céu parece, repentinamente, povoado de uma incrível massa de outras estrelas, invisíveis a olho nu, tão numerosas que quase não podemos acreditar”.

Filosofia Tecnológica

Resolveu um importante problema militar, que consistia em prever a trajetória de uma bala de canhão. Devido a sua grande habilidade manual, ele fabricava brinquedos e engenhocas, criava seus próprios equipamentos de pesquisa, ainda jovem, por exemplo, Galilei já construía complexos sistemas de moinhos de água. Engendrou importantes invenções como o relógio de pêndulo, o binóculo, o telescópio astronômico, a balança hidrostática, o compasso geométrico, o termômetro termoscópico, criou um instrumento de medição de pulso, uma bomba de água operada por cavalo, um compasso militar e uma espécie de régua calculadora.

Filosofia da Arte

Em relação ao campo das artes, ele fez excelentes pinturas, algumas delas simbolizando a sensibilidade e a razão do espírito da arte renascentista. Outras eram apenas um meio de representar as suas descobertas científicas. Teve como amigo um grande pintor dessa época conhecido por “Ludovico Cardi” o “Cigoli” que também pintava as relações existentes entre arte e ciência. Galileu realizou grandes estudos sobre o campo musical. Gostava de tocar alguns instrumentos como o órgão e a cítara. Elaborou resenhas, ensaios e críticas literárias a grandes personalidades da literatura. Foi considerado uma figura importante no cenário cultural italiano. Chegou a utilizar-se de um pseudônimo chamado “Alimberto Mauri” para assinar alguns trabalhos. Galileu recebeu inúmeras homenagens ao longo da história, sua vida é retratada em filmes, documentários, teatro, pinturas, músicas e livros.

Obras:

As operações da bússola geométrica e militar; O mensageiro das estrelas; Discurso sobre corpos na água; Diálogo sobre os dois principais sistemas do universo; Duas novas ciências; Manchas solares; Tratado das Esferas; Ciência e fé; O ensaiador.

Curiosidades:

Relata-se que Galileu possuía uma personalidade sarcástica e irônica. Daí, após ser ameaçado de morte pelos inquisidores, ele decide se retratar perante o tribunal. Mesmo assim, foi condenado a cumprir prisão domiciliar e proibido de ensinar ou divulgar suas teorias.  Ao final de todo o julgamento, ele teria se levantado e murmurado em voz baixa para as pessoas próximas a seguinte frase: "Eppur si muove!", que quer dizer, “no entanto, ela se move!”.

Filosofia Sapiencial

- “A paixão é a gênese do gênio”

- “A dúvida é a mãe da invenção”.

- “Conhecer a si próprio é o maior saber”.

- “A Matemática é a linguagem da natureza”.

- “A verdade é filha do tempo, e não da autoridade”

- “Quanto menos alguém entende, mais quer discordar”

- “Gravem-se os benefícios no bronze e as injúrias no ar”

- “A verdade não resulta do número dos que nela creem”.

- “Os planetas não emitem luz, eles refletem a luz do Sol.”

- “Vaidade e medo nunca constroem conhecimento algum”.

- “O livro do mundo está escrito em linguagem matemática.”

- "Meça o que é mensurável e torne mensurável o que não é".

- “Falar obscuramente, qualquer um sabe; com clareza, raríssimos”.

- "A condição natural dos corpos não é o repouso, mas o movimento."

- “Não se pode ensinar tudo a alguém, mas se pode ajudá-lo a encontrar por si mesmo o caminho”.

“A filosofia está escrita nesse grande livro que é: “o Universo”, ele permanece continuamente aberto.”

- “A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre perante nossos olhos”.

- "O movimento dos corpos é uniforme, perpétuo e circular ou composto de movimentos circulares".

- “Nunca encontrei uma pessoa tão ignorante que não pudesse ter aprendido algo com a sua ignorância”.

- "Todas as verdades são fáceis de perceber depois de terem sido descobertas; o problema é descobri-las."

- “Existem aqueles que raciocinam bem, mas são muito superados em número por aqueles que raciocinam mal.”

- “Digamos que existem dois tipos de mentes poéticas: uma apta a inventar fábulas e outra disposta a crer nelas”.

- “O céu parece, repentinamente, povoado de uma incrível massa de outras estrelas, invisíveis a olho nu, tão numerosas que quase não podemos acreditar”.

- “É vaidade imaginar que se pode introduzir uma nova filosofia ao refutar um ou outro autor. Primeiro, é necessário ensinar a reforma do espírito humano, e torná-lo capaz de distinguir a verdade da falsidade...o que só Deus pode fazer!”

- “A ciência humana de maneira nenhuma nega a existência de Deus. Quando considero quantas e quão maravilhosas coisas o homem compreende, pesquisa e consegue realizar, então reconheço claramente que o espírito humano é obra de Deus, e a mais notável”.

- “Permanecer calado não me ofereceu vantagem alguma, pois meus inimigos, tão desejosos de me atrapalhar, chegaram a atribuir-me as obras dos outros escritores; e, tendo-me atacado à base destes textos, chegaram a fazer coisas que, a meu parecer, pertencem claramente a ânimos fanáticos e sem raciocínio”.

- “Acredito que os filósofos voam como as águias e não como pássaros pretos. É bem verdade que as águias, por serem raras, oferecem pouca chance de serem vistas e muito menos de serem ouvidas, e os pássaros pretos, que voam em bando, param em todos os cantos enchendo o céu de gritos e rumores, tirando o sossego do mundo”.

Fontes:

CANIATO, Rodolpho. Redescobrindo a Astronomia. Campinas: Átomo, 2010.

CANTORI, Valentina. Para uma ciência dos sentidos: a lição de Galileu Galilei. Site: Cosmos e Contexto. Rio de Janeiro: Revista eletrônica de cosmologia e cultura, 2022.

GALILEU, Galileu. Diálogo sobre os dois máximos sistemas do mundo ptolomaico e copernicano. Trad. Pablo Rubén Mariconda. São Paulo: Editora 34, 2011.

GEYMONAT, Ludovico. Galileo Galilei. Torino: Einaudi, 1984.

GRIBBIN, John. Galileu (1564-1642) em noventa minutos. Londres: inlibrary, 1997.

KOYRÉ, Alexandre. Estudos de história do pensamento científico. Rio de Janeiro: Forense, 1982.

MARICONDA, Pablo Rubem; VASCONCELOS, Júlio. Galileu e a nova física. São Paulo: Odysseus, 2006.

MARTINS, Jader. A Vitória de Galileu: a Luta Contra o Obscurantismo. Rio de Janeiro: Ciência Moderna, 2008.

PIRES, Antônio. Evolução das ideias da Física. São Paulo: Livraria da Física, 2008.

RIBEIRO, Daniel. Galileu Galilei. Revista de Ciência Elementar. Vol. 02 N; 04. Porto: Casa das Ciências, 2014.

VIEIRA, Patrese. Galileu Galilei e o movimento relativo. Lages: IFSC, 2020.  

ZYLBERSZTAJN. Arden. Galileu: um cientista e várias versões. Florianópolis: UFSC, 1988.

domingo, 20 de novembro de 2022

Enheduanna da Acádia

Enheduanna da Acádia – (2354 a 2300) a.C

Autor: Alysomax Soares

Introdução

Foi uma filósofa acadiana da antiguidade ligada a corrente de pensamento moralista. Acredita-se que ela tenha sido a primeira pessoa do mundo a assinar suas próprias obras escritas, em vista disso, ela foi considerada por muitos pesquisadores como sendo a primeira pensadora da história humana. Ficou conhecida também como a “deusa do amor”, pois sua compilação enaltecia uma deidade lunar que celebrava o amor entre os sumerianos. Utilizou-se da literatura poética, orações e de hinos para descrever sua exaltação a uma entidade conhecida como “deusa Inanna ou Nanna-Suen, rainha dos céus e da Terra, deusa do amor, do sexo e da guerra”. Seu pai era o famoso “rei Sargão” da Acádia e sua mãe era conhecida como a rainha “Tashlultum”.

Praticava os ofícios de sacerdotisa, poetisa, escritora, professora, sábia e filósofa do chamado templo da deusa Lua. Esse templo era um local onde se exerciam atividades comerciais e praticava-se o ensino das ciências e das artes. Seu nome era a junção derivada do prefixo “En” que significava um título alto da nobreza política, com o termo “Heduanna” que denotava o conceito de adorno do céu, desse modo, seu nome era transliterado como “alta sacerdotisa que adorna o Céu”. Especula-se que ela tenha florescido aproximadamente entre os anos de (2354 a 2300) a.C, na antiga Mesopotâmia, próximo a região de Ur, localizado entre a Acádia e a Suméria. Uma cratera no planeta Mercúrio teria sido registrada com seu nome, em sua homenagem.

Filosofia Mítica

Deixou um grande legado literário antigo para a História, em que estava escrita sua obra mítica. Seus textos foram escritos na linguagem cuneiforme, em formato de cunha, e teriam sido gravadas em tábuas de barro. Aproximadamente mais de 100 poemas em tabloides cuneiformes foram encontrados e atribuídos a Enheduanna. O resultado dessa obra é uma descrição poética repleta de lutas, agonia, êxtase e louvor, em que Inanna era mostrada de maneira profundamente humana, como sendo uma mulher feroz e cruel, mas também amorosa e doce. Essa obra é descrita como uma das principais fontes sobre a mitologia sumeriana que revelava como era exercido o poder no império acadiano. Escreveu em torno de 42 duas obras literárias nesse formato. Tinha o título de “Hinos Sumérios do Templo”.

Filosofia da Educação

Seu cargo a envolvia na educação e nas artes dos escribas, dessa forma, ela dirigia escolas de escribas para mulheres ligadas a elite. Suas composições faziam parte do currículo nas escolas dos escribas. Ensinava técnicas sobre a arte da escrita poética, considerando a palavra como um importante instrumento de poder. Nesse sentido, alguns pesquisadores afirmam que ela foi uma das primeiras teóricas da retórica. Descrevia algumas instruções morais sobre a educação feminina e sobre o papel da mulher na sociedade mesopotâmica. Algumas mulheres ligadas à realeza tinham uma educação voltada para a cultura, desse modo, elas produziam obras poéticas. Seu trabalho mostrava doutrinamentos disciplinares de como se comportar em terrenos de batalha. Trabalhava ideias relacionadas aos sentimentos de esperança e medo. Apontava importantes ensinamentos sobre Matemática e Astronomia, por isso é tida como uma das primeiras observadoras dos céus. O trabalho de Enheduanna parece ter compreendido a observação dos movimentos celestes, fazendo medições e criando calendários.

Filosofia Política

No campo político ela exerceu um considerável poder político e religioso. Foi uma figura poderosa e influente em seu tempo, tendo um alto status social durante sua vida. Enheduanna utilizava o sistema religioso como meio de administrar o complexo templo da cidade. Nesse sentido, sua obra descrevia elementos bem elaborados sobre algumas tensões político-religiosas que aconteceram em seu reino. Durante um período de sua vida, ela teria sofrido uma investida de golpe político que foi tentado por um rebelde, esse fato provocou seu exílio, mas após algumas orações, ela se reestabeleceu no poder novamente. Enheduanna usou sua posição para promover a unidade e a harmonia religiosa. Sua visão de mundo estabelecia um equilíbrio entre a noção de masculino e feminino, tanto individualmente como coletivamente. Desempenhou um papel influente na preservação das tradições culturais, religiosas e literárias da Mesopotâmia. Ela denunciava, em alguns de seus textos, certas práticas condenáveis e crimes sexuais que eram cometidos por homens inescrupulosos. 

Filosofia da História

Uma estátua de Enheduanna foi encontrada em Giparu no ano aproximado de (2000 a 1800) a.C. Dois selos e um disco de alabastro contendo seu nome também foram descobertos após escavações no cemitério de Ur. Nesse local, foram enterradas, provavelmente grande parte das sacerdotisas antigas. Por isso, acredita-se que ela tenha vivido boa parte de sua vida na cidade-estado de Ur. O Disco de Enheduanna foi localizado pelo arqueólogo britânico Sir Charles Leonard Woolley e sua equipe de escavadores, em 1927. Nessas escavações também foram identificadas 37 placas de argila, em que estavam registrados seis escritos, entre eles, um que continha uma dedicatória. Suas obras foram produzidas com várias cópias, simbolizando que ela teria destaque e grande valor entre a realeza. Sua imagem, esculpida em um disco de alabastro, está em uma caixa de vidro no museu da Universidade da Pensilvânia.

Obras:

- Hinos sumérios do Templo

- A exaltação de Inanna

- A Maldição de Acádia

- O Mito de Inanna e Ebih

Irmãos:

Rimush; Manishtushu; Ibarum e Abaish-takal.

Filosofia Sapiencial

- “A Verdadeira Mulher, é a que possui Sabedoria Excedente”.

- “Meu rei, algo foi criado, algo que nunca ninguém criou antes”.

- “Aquilo que vos cantei à meia-noite, que se repita ao meio-dia”.

- “Eu assumi meu lugar na morada do santuário, eu era a alta sacerdotisa, eu, Enheduanna.”

- “Minha boca antes doce agora se tornou espuma, meu poder de agradar os corações virou pó”.

- “Ninguém pode se opor a sua batalha assassina - quem a rivaliza? Ninguém pode olhar para sua luta feroz, a carnificina".

- “Ho! templo Kesh, em todo o céu e terra você é o lugar que dá forma, espalhando medo como uma grande cobra venenosa”.

- “Inanna! Sua mão segura os sete poderes: Você eleva os poderes do ser, você os pendurou no dedo, você reuniu os muitos poderes, você os apertou agora, como colares em seu peito”.

- “Ho! templo de Inanna, Ó casa envolta em feixes de luz, onde nos poderes divinos, o verdadeiro “eu” se espalhou amplamente, santuário da montanha brilhante, que no crepúsculo torna o firmamento lindo, construiu esta casa em seu local radiante”.

- “Ela é que arrefece as sobrancelhas das pessoas de cabeça obscura, consulta uma tábua de lápis lazúli, dispensa assessoria a todas as terras. Verdadeira mulher, pura como a erva sabão, brota da cana sagrada. Ela mede os céus acima e estica o cabo de medição sobre a terra. No gipar, os quartos das sacerdotisas, aquele santuário principesco de ordem cósmica, eles rastreiam a passagem da lua, ela consulta uma placa para todas as terras, ela mede os céus e coloca os cordões de medir na terra”. 

Fontes:

BINKLEY, Roberta. Ornament of Heaven: The Book of Enheduanna. Site: Public ASU. Arizona: Internet, acesso em 2022.

BLACK, Jeremy; CUNNINGHAM, Graham; EBELING, Jarle; et al. O corpus de texto eletrônico da literatura suméria. Oxford: Universidade de Oxford, 2006.

ERYILMAZ, Ali. Enheduanna: A princesa do Templo sumério. Porto: Grupo Porto Editora, 2022.

FOSTER, Benjamin. The Age of Agade: Inventing Empire in Ancient Mesopotamia. Abingdon: Routledge, 2015.

GLAZ, Sara. Enheduanna: Princesa, Sacerdotisa, Poeta e Matemática. The Mathematical Intelligencer

HALLO, Willian; DIJK, Van. A exaltação de Inanna. Londres: Yale University Press New Haven, 1968.

KRIWACZEK, Paul. Babilônia: A Mesopotâmia e o Nascimento. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

MEADOR, Betty de Shong. Inanna, Lady of Largest Heart. Austin: University of Texas Press, 2001.

PRYKE, Louise. Enheduanna. Site: The New História. Internet: Acesso em 2022.

SALISBURY, Joyce. Enciclopédia das mulheres no mundo antigo. Oxford:  ABC CLIO, 2001.

WINTER, Irene. Mulheres em público: o disco de Enheduanna, o início do ofício de sacerdotisa e o peso da evidência visual. Paris: Editions Recherche sur les civilisations, 1987.

WOLKSTEIN, Diane. Inana a Rainha dos Céus e da Terra: suas histórias e hinos da Suméria. New York: Harper Perennial, 1983.

domingo, 13 de novembro de 2022

Nuno Marques

Nuno Marques – (1652 a 1733) d.C 

Autor: Alysomax Soares

Introdução

Nuno Marques Pereira foi um filósofo moralista luso-brasileiro do período colonial. Adotou em seu estilo os elementos da arte barroca. Utilizou-se da literatura alegórica e da narrativa informacional para descrever seus saberes filosóficos. Escreveu sua “magnum opus” intitulada de “O Peregrino da América”, registrando, com isso, sua participação na vida literária brasileira. Devido seu trabalho singular na literatura basílica, a Academia Brasileira de Letras (ABL) relançou várias outras edições de sua obra. Seu escrito transcorria a respeito de questões morais e espirituais da alma humana, pois era essencialmente de cunho moral-social e ético-cristã. Também revelava alguns enaltecimentos sobre a beleza tropical do Brasil. Trabalhou como escritor e presbítero secular do hábito de São Pedro. Chegou a cursar Direito na universidade de Coimbra, em Portugal. Foi homenageado como patrono da cadeira número 7 do antigo Silogeu Brasileiro. Seus escritos são considerados importantes fontes que retratam a história, a etnografia, a literatura e o folclore do período colonial. Nasceu no município de Cairú na Bahia, em 1652, e faleceu na cidade de Lisboa, por volta de 1733. 

Filosofia Moral

Tratou em sua obra sobre a relação das práticas morais com os saberes teológicos. Transcorreu sobre acontecimentos fantasiosos, singulares e curiosos que refletiam alguns dos aspectos sociais. Nesse sentido, era considerado um dos fundadores da narrativa ficcional brasileira. Ao longo de sua obra são descritos vários conhecimentos sobre a história da filosofia antiga e medieval. Seu trabalho foi caracterizado por estudiosos como sendo um saber enciclopédico, pois reunia várias informações e estudos sobre assuntos variados. Na esfera literária, o texto não se moldava a nenhuma estrutura textual específica, dado que a narrativa possuía uma pluralidade tipológica, impedido uma delimitação concreta, mas demonstrando uma riqueza de gêneros. A obra utilizava a figura de linguagem como modo de representação entre a ficção e a realidade, ou seja, um simbolismo alegórico. Sua teologia moral se ancorava na tese de que todos os homens eram apenas peregrinos na Terra, e que a verdadeira pátria do ser humano seria o céu. Posto isso, ele citava que:

“Ainda há muito esforço para adquirir as seis virtudes da piedade religiosa, justiça, prudência, magnanimidade e temperança. Entre as quatro virtudes morais, a sabedoria deve ser especialmente levada em consideração. Em primeiro lugar, a alma deve distanciar-se de toda leitura e opinião que não trata de Deus. A seguir, fuja das más companhias, imitando os virtuosos e sábios. Em terceiro lugar, conseguir uma viabilidade transparente e verdadeira entre o interior e o exterior. Quarto, empregue nosso entendimento no conhecimento “volitivo” e “eletivo” do que é realmente bom. Essa seria a melhor maneira de servir a Deus e aos homens. Portanto, nossa vida deve ser uma peregrinação patrocinada pela graça de Deus para obter o fruto desejado do Reino dos Céus." (Nuno Marques, 1728).

O livro retratava uma narrativa em torno de um peregrino que se deslocava do interior da Bahia em direção a Minas Gerais. O protagonista revelava que não estaria em busca de ouro ou de riquezas materiais, mas sim da salvação eterna. No caminho o peregrino trava um diálogo com um ancião. O velho demonstra um sério interesse em analisar as causas das perturbações políticas que assolavam o Brasil. Durante a caminhada de um dos itinerantes, aos poucos vão se desvelando na obra, alguns elementos mágicos que estão ligados ao folclore brasileiro e aos multiculturalismos regionais. A peregrinação descrita evidenciava o homem em seu aspecto dinâmico, mostrando uma ideia de movimento que estaria conectado com a transitoriedade da vida. No transcorrer do diálogo, o personagem da obra vai paulatinamente introduzindo suas reflexões e críticas morais. Dessa forma, a existência humana se revelava em uma teia de significações e relações entre o mundo material, espiritual e divino. Nesse ínterim, o “eu lírico” proferia algumas críticas às situações sociais que se mostravam ao longo do caminho como, por exemplo, as desordens urbanas, o fanatismo religioso e as injustiças sociais. Assim sendo, Marques advertia que:

“É este mundo estrada de Peregrinos, e não lugar nem habitação de moradores; porque a verdadeira Pátria é o Céu. Pela razão de ser o céu nossa Pátria, cuida para que da eternidade nunca vos descuideis, pois a presença de Deus é o ‘Sumo Bem que se pode desejar’.” (Nuno Marques, 1728).

 

Filosofia da Mente

Segundo algumas fontes, sua obra também refletia a respeito de conhecimentos psíquicos da alma humana, relacionando esse saber com ideias dinâmicas do barroquismo. Diante dos desafios que surgiam no caminho do peregrino, o autor descrevia ideias relacionadas à “psicomaquia”, isto é, a existência de uma batalha espiritual entre as virtudes e os vícios humanos. Seus ensinamentos morais se relacionavam com as vicissitudes existenciais que assombravam a alma humana. Misturava cenas do cotidiano e da realidade com misticismo e ficção. O sincretismo cultural, que o movimento do barroco promoveu no Brasil colônia, colaborou com a construção dos primeiros passos da identidade brasileira. Despertando a autonomia e a autenticidade do espírito nacional. Dessa forma, a obra se revelou como sendo um fiel espelho dos costumes, do ambiente social, do aspecto político e cultural que permearam o período colonial.

Nuno também desvelava a importância do tempo na vida do homem e as formas de como saber utilizá-lo de maneira produtiva. Nessa perspectiva, ele tecia um paralelo entre o tempo e a eternidade. Descrevendo que o tempo seria como uma dimensão finita devido à existência da noção de duração, já a eternidade era uma grandeza sem princípio e nem fim. A questão da eternidade era analisada se demostrando que para saber empregar bem o tempo, fazia-se necessário saber que, em sua duração, deve-se saber cuidar da eternidade. Desse modo, ele pontuava que: No fim do tempo: “não haveria mais tempo”, pois “dali por diante não haverá mais que eternidade, a qual durará enquanto Deus for Deus, que será para sempre sem fim”.

Fatos e Curiosidades:

Relata-se que o título original de sua obra-prima era muito extenso, segundo fontes históricas, as primeiras edições continham o seguinte título: "Compendio narrativo do peregrino da América em que se tratam vários discursos Espirituais, e morais, com muitas advertências, e documentos contra os abusos, que se acham introduzidos pela malicia diabólica no Estado do Brasil. Dedicado à Virgem da Vitória, imperatriz do céu, rainha do mundo, e Senhora da Piedade, Mãe de Deus".

Filosofia Sapiencial

+ “O ouro tem valor conforme seu dono”.

+ “Os homens estão doentes de avareza e cobiça”.

+ “As enfermidades da alma não se curam com a mudança do lugar”.

+ “Pus-me na rua, na rua que já me pudera então considerar: a chamada rua da amargura”.

+ “Que fujais muito de que vos enganem os três inimigos da alma, que são: Mundo, Diabo e Carne”.

+ “Devemos empregar bem o tempo para vivermos uma vida reformada, e termos uma morte preciosa”.

+ “E como o vi prostrado por terra, o considerei escarmento da soberba, horror da morte, desengano da vida”.

+ “Mais atormenta ao homem o temor de perderem a fazenda que possuem, do que foi o gosto que tiveram em adquiri-la”.

+ “Não há no homem firmeza, nem estabilidade, que por muito tempo dure; por andar sempre em uma perpétua mudança”

- “Reparai que: sendo só de uma mesma espécie este metal (ouro), toma os efeitos das pessoas, em cujo poder se acha”.

+ “É este mundo estrada de Peregrinos, e não lugar nem habitação de moradores; porque a verdadeira Pátria é o Céu”.

+ "Todos somos peregrinos neste mundo: e de que devemos obrar com acerto, para chegarmos a nossa pátria, que é o Céu".

+ “Bem é verdade, que me dirão muitos, que escrever, e ainda em matérias espirituais, só incumbe a seus professores, e que eu o não sou”

+ “Porque a Cruz é o principio, meio, e fim eficaz da nossa salvação; por ter sido o principio de toda a formação do gênero humano principiado em Adão”.

- “As riquezas fazem aos homens altivos, soberbos e invejosos: e que são poucos os ricos e grandes do mundo que não tenham estes efeitos consigo”.

+ “Não merece pouca estimação, o que, desprezando os mimos e regalos de sua Pátria, busca as alheias, para nelas se qualificar com mais largas experiências”.

+ No fim do tempo: “não haveria mais tempo”, pois “dali por diante não haverá mais que eternidade, a qual durará enquanto Deus for Deus, que será para sempre sem fim”.

+ “Se bem repararmos que coisa é a vida de um homem neste mundo”, vemos que ele vive sempre “apetecendo glórias até possuí-las, e na mesma posse temendo perdê-las”

+ “Por cuja razão é o sair da Pátria, o que faz aos homens mais capazes, e idôneos para mui grandes empresas, e suficientes para tudo; como o tem feito a tantos Varões ilustres”.

+ “Pode um homem matar em sua fiel defesa, ou por algum outro incidente, que poderá ter desculpa. Pode furtar em tão extrema necessidade, que não seja pecado, porque no tempo da necessidade extrema todos os bens são comuns”.

+ “A soberba pomposamente vestida de escarlata, com uma capa roçagante, e um escudo, e nele escrita em letras, uma frase que dizia: Sou a Soberba invejosa, semelhante ao Inferno: e por isso meus sequazes padecem de um mal eterno”.

+ “De mim têm falado vários autores sagrados e humanos; e que existo no mundo, desde o primeiro século em que Deus me fez e toda esta máquina do Universo. E sabei que também hei de ter fim e que será a minha duração tão somente até se acabar o mundo”.

+ “Vede agora quanto maior razão eu tenho para trazer-te as moralidades, e humanidades, com que te pretendo lisonjear o gosto neste livro que te ofereço, para debaixo delas te dizer e mostrar s6lidas virtudes, com relações muito exemplares. Desejo só agradar e servir a Deus”.

+ “A experiência ocularmente nos está mostrando que toda a criatura racional, depois que morre, com uma das duas eternidades se vai encontrar. Ou com a da Glória, cuja grandeza é inexplicável, pelo incomparável bem de que gozam os que a ela vão: ou com a do Inferno”, onde “nunca se acaba de morrer, por serem as penas eternas na duração”.

+ “Sobre a paixão, vamos ao remédio, que me pedistes. Haveis de saber, que para sarar do amor e dessa enfermidade (a paixão) é necessário haver ausência. Muitas doenças se curam só com a mudança do ar: porém, a do amor só se cura com a (mudança) da terra. É o amor, como a lua, que em havendo terra (distância) entre meio, logo se eclipsa”

+ “São os versos  uma  recreação  honesta,  em  que  o  entendimento  tanto  se  diverte,  que  esquecendo-se  do  penoso  que  o  aflige,  se  suaviza na ocupação de os compor, ou ler, não só entre a gente popular  e  plebeia,  mas  também  entre  os  mais  nobres  e  grandes  príncipes”.

+ “Primeiramente, haveis de saber que as causas excessivamente intensas produzem efeitos contrários. A dor faz gritar, mas se é grande, faz emudecer; a luz faz ver, mas se é excessiva, cega: a alegria alenta, mas se é estupenda, mata; o amor pode ser extremoso que passa loucuras; o ódio poderá ser tão extraordinário, que cometa absurdos; as espécies se fazem venenos e matam, tanto que passam dos quatro graus de quente a frio. Esta é a razão porque mata o grande pesar ou a demasiada alegria.”

+ “Mas, falando agora dos efeitos do pesar: sabeis que o homem tem alma racional, que os outros animais não têm. Dela resultam a reminiscência, memória, entendimento, razão e vontade, situadas na cabeça, membro mais nobre do corpo, sítio e morada da alma racional. Pelo entendimento entende e sente os males e danos recentes; pela memória, os males passados; pela razão espera e teme os males futuros, e pela vontade aborrece; estes três gêneros de males, presentes, passados e futuros, ama, deseja, teme e aborrece”.

+ “Porém, há de ser com intenção de não mudar só de lugar, senão também de costumes; porque é certo, que quem peregrina acompanhado de seus vícios, mais valera não haver saído; pois tornará mais perdido, que aproveitado: porque as enfermidades da alma não se curam com a mudança do lugar. O Peregrino vai por onde há de achar cada dia novos costumes, e os deve ser, e aprovar; e não repreendê-los: pois é mais razão acomodar-se ao uso da terra, que pertencer, e querer trazer aos mais ao costume da sua Pátria. Há de considerar que vai obedecer às leis, que achar estabelecidas; e não a dar regra aos mais: e que vai aprender, e não a ensinar. E peregrinando assim, se qualificará em um perfeito Herói”

+ “O cevado, enquanto vivo, para nenhuma coisa serve; e só trata de comer, e engordar: o que se não acha em outros animais, como largamente tratam vários Autores, e com especialidade Jerônimo Cortez no seu Tratado dos Animais, assim domésticos, como silvestre, e ainda voláteis. Porque vemos, que o boi trabalha, o cavalo carrega, o carneiro dá lã, a cabra dá leite, o cão caça, o gato limpa a casa: e finalmente não há animal, que não tenha o seu ministério. Porém, o Cevado, só depois de morto se aproveitam dele: come-se a carne, guarda-se a banha, apanha-se o sangue, não se lhe perdem os miúdos, e finalmente tudo se lhe aproveita. Assim também o rico avarento: em quanto vivo, para nada vale; tanto que morre, para todos serve. Aparece o dinheiro, que tinha escondido, e talvez pelo ter furtado: come o parente, aproveita-se o testamenteiro, pagam-se os clérigos, remedeiam-se os pobres, satisfaz-se aos que trabalharam no Funeral: e enfim todos se aproveitam, porque em sua vida a ninguém prestou.”

Obras:

+ O Peregrino da América

Fontes:

AUGUSTO, Sara. Peregrino do Paraíso: o compêndio narrativo de Nuno Marques Pereira. Teografias II: Gramáticas da Criação. Coimbra: UC, 2012.

BRASIL. Catalogo dos Arcebispos da Bahia. Anais de Biblioteca Nacional de 1876 a 1997. Internet: BN, acesso em 2022.

CALMON, Pedro. História da Literatura baiana. Rio de janeiro: José Olympio, 1949.

CASTELLO, José Aderaldo. A literatura brasileira; origens e unidade. (1500-1960).  São Paulo: Editora Edusp, 1999.

COUTINHO, Afrânio. O Peregrino da América: III. Releituras. Revista Iberoamericana. Rio de Janeiro: UFRJ, 1977.

FHL, Biblioteca Virtual. Nuno Marques Pereira: 1652-1728. Madrid: Fundação Ignácio Larramendi, 2008.

FILHO, José Adriano. Combate ao Mundo e Conquista do Paraíso: Ficção e Alegoria no Compêndio Narrativo do Peregrino da América. Tese de Doutorado. São Paulo: Unicamp, 2013.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. Capítulos de Literatura Colonial. São Paulo: Brasiliense,1991.

LIMA, Nayara Franciele. O Peregrino da América e André Peralta: Dois Personagens Itinerantes do Século XVIII. Tese de Mestrado. Uberlândia: UFU/LETRAS, 2009.  

MASSIMI, Marina; DE PAULA, Sergio Peres. Uma Resenha de Três Autores do Brasil Colonial a partir da Ótica Agostiniana da Temporalidade. Revista Psicologia em Pesquisa. Juiz de Fora: UFJF, 2014.

PARANHOS, Haroldo. História do romantismo no Brasil. São Paulo: Edições Cultura Brasileira, 1937.

PEREIRA, Nuno Marques. Compêndio Narrativo do Peregrino da América. Col. Afrânio Peixoto. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 1988.

RODRIGUES, Anna Maria Moog. Compêndio Narrativo do Peregrino da América de: Nuno Marques Pereira.  Revista Estudos Filosóficos nº 7São João del-Rei: DFIME /UFSJ, 2011.

SODRÉ, Nelson Werneck. O que se deve ler para conhecer o Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976.

sábado, 12 de novembro de 2022

Escola de Mileto

Escola de Mileto

Autor: Alysomax Soares

Introdução

Foi uma escola de pensamento filosófico fundada na cidade de Mileto na Grécia antiga. Também era chamada de Escola Jônica ou Escola Milesiana. A descrita escola teria surgido em meados do Século VI a.C no período compreendido como pré-socrático. Teve como principais representantes o filósofo Tales de Mileto e seus sucessores: Anaximandro e Anaxímenes. Esses primeiros filósofos eram naturais da cidade de Mileto ou residiam em regiões próximas. Todos os três filósofos descritos buscavam na natureza o elo entre a matéria e o surgimento da vida, por isso eles foram chamados de filósofos da “phisis”, ou seja, filósofos da natureza. Embora existisse divergência entre eles, sobre qual seria a verdadeira substância primordial, suas teorias tiveram algo em comum, pois ainda persistia entre eles uma ideia divina ou mística, em relação à substância inicial. Outro ponto em comum entre esses filósofos era o conceito de unidade da substância. Também ficaram conhecidos como filósofos cosmológicos, pois relacionavam seus conhecimentos sobre a natureza e a física com os saberes de geografia e astronomia. 

Filosofia da Natureza

Essa escola era considerada a primeira escola de Filosofia da Grécia antiga, ela surgiu com a ideia de que existiria uma substância na natureza que dava origem a tudo no universo. A citada escola fundamentou seus pensamentos atribuindo a elementos da natureza um princípio ativo que era denominado de “arché”.  Para esses primeiros filósofos, a “physis” (natureza) teria uma espécie de “arché” (princípio) unitário, daí, ser esse, o porquê deles serem também batizados de filósofos unitaristas, pois acreditavam que “um só” seria o princípio de tudo. Grande parte dos conhecimentos desses filósofos foi perdida no tempo. A civilização grega dessa época foi considerada por muito tempo como o berço dos primeiros pensadores racionais, tendo desenvolvido uma maneira particular de construção do conhecimento.

Principais Filósofos

Tales, o fundador dessa corrente de pensamento, ao observar a natureza, afirmava ser a “água” o princípio original de tudo. A “água” ao qual Tales se referia não seria propriamente a água como a conhecemos, mas possivelmente uma mistura pura de um líquido semelhante à água. A mitologia e o misticismo da época influenciavam muito o pensamento grego, por isso é provável que Tales tivesse uma visão “teocosmogônica” do conceito de água. Segundo Tales, a “água” poderia penetrar por qualquer lugar, e por não possuir forma, ela também se moldaria a qualquer ambiente, pois ela teria certo aspecto de versatilidade. A “água” seria uma substância vivificante que dava origem as coisas, por isso, ela não poderia ser uma matéria inanimada.

Anaximandro afirmou que a “arché” seria uma substância que ele denominou de “ápeiron”. Esse “ápeiron” seria uma espécie de energia vital infinita e indeterminada. Era ilimitada e eterna, com um conceito abstrato e aspecto divino, estando em um contínuo movimento.  Essa substância formava as coisas no universo através de um processo de separação e segregação constantes. Esse tipo de pensamento em relação ao “ápeiron” inaugurou uma visão naturalista de Deus. Dessa forma, ele compreendia que as relações da “natureza do cosmos” era imaterialmente infinita. Anaximandro também teve uma forte participação política em seu tempo, tendo inclusive liderado uma colônia grega. Além disso, chegou a desenvolver algumas teorias astronômicas.

O filósofo Anaxímenes definiu a substância criadora de tudo como sendo o “ar”. O “ar” de Anaxímenes se assemelhava a ideia de espírito. De acordo com sua visão, o “ar” representava a própria ideia de vida, nesse sentido, tudo que existia no universo seria apenas formas diferentes de “ar”. Anaxímenes estabeleceu esse “ar” como uma substância invisível, porém natural. Alguns pensadores denominam essa “arché” desenvolvida por ele de “pneuma”. Essa substância não possuiria forma definida, podendo se estender por várias direções até o infinito. Dessa forma, ele utilizaria o conceito de envolvimento e adaptação elaborado por Tales com a “água” e o conceito de indefinição e infinidade elaborado por Anaximandro com o “ápeiron”, para, com isso, conceituar sua definição de “ar” como sendo a substância primordial de tudo. Nesse sentido, ele acreditava que a água seria ar condensado e que o fogo seria ar rarefeito. Por isso a substância “ar” formaria a origem da terra, da água e do fogo.

Outros filósofos participaram de maneira secundária dessa escola de pensamento, ou seja, seguiram algumas características dessa escola ou foram influenciados de forma particular. Entre eles podem ser citados: Heráclito de Éfesos, Diógenes de Apolônia e Hípon de Régio. Alguns historiadores diferem a Escola de Mileto da Escola Jônica, apontando que a primeira seria formada apenas pelos filósofos Tales e seus discípulos, Já a Escola Jônica teria mais representantes como o Heráclito de Éfesos e o Diógenes de Apolônia.

Considerações Finais

Esses filósofos diziam não haver separação entre matéria e vida. Esse conceito também é entendido como “hilozoísmo”. Eles discordavam do pensamento tradicional de explicação mitológica dos fenômenos da natureza. Os gregos, dessa época, utilizavam a crença politeísta em deuses gregos para dar explicação sobre a criação do universo. Dessa forma, os pensadores da escola de Mileto utilizaram as observações da natureza para fornecer explicações sobre a origem da vida e do cosmos. Eles buscavam explicação da passagem dos fenômenos naturais do caos para a ordem, nesse sentido, essa ordem poderia ser compreendida pela razão. Essa explicação poderia ser entendida a partir da própria natureza. A nova visão de mundo descrita por eles era pensada a partir do “logos”, ou seja, da palavra racional representada por uma substância imanente.

Fontes:

ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 5º ed. São Paulo: Martins, 2007.

ARISTÓTELES. Metafísica. Trad. Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2012.

CHAUÍ, Marilena. Iniciação à Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2017.

CRESON, André. A Filosolofia Antiga. São Paulo: Difel, 1960.

COTRIM, Gilberto e FERNANDES, Mirna. Fundamentos de Filosofia. São Paulo: Editora Saraiva, 2017.

KIRK, Geoffrey; RAVEN, John; SCHOFIELD, Malcom. Os filósofos pré-socráticos. Trad. Calor Alberto Louro Fonseca. 7ª ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1983.

LAÊRTIOS, Diógenes. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. 2 ed. Brasília. UnB. 2008.

MARCONDES, Danilo. Iniciação a História da Filosofia: Dos Pré-Socráticos a Wittgenstein. 13ª ed. Rio de Janeiro: Zahar. 2010.

MARÍAS, Julián. História da Filosofia. Trad. Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

MEIER, Celito. Filosofia: por uma inteligência da complexidade. 1°ed. Belo Horizonte: Pax editora, 2010.

REALE, Giovanni. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média. São Paulo: Paulus, 1990.

SPINELLI, Miguel. Filósofos Pré-Socráticos: Primeiro mestres da filosofia e da ciência grega. 2.ed. Porto Alegre. EDIPUCRS. 2003.