Epimênides de
Creta – (630 a 500) a.C
Autor: Alysomax
Soares
Introdução
Foi um filósofo
grego do período arcaico que viveu na ilha de Creta. Pode ser considerado um
filósofo hiperbóreo. Seu nome figura em algumas listas como sendo um dos sete sábios
da Grécia antiga. Ele também foi poeta, místico e profeta. Seus estudos
místicos lhe renderam a fama de “homem estranho”. Foi descrito
por alguns historiadores como sendo uma espécie de mago. Muitos pesquisadores
divergem sobre a parte exata da ilha onde ele nasceu, porém todos concordam que
seria em uma cidade situada dentro da ilha de Creta. Teria sido criado em uma
família de pastores e era visto como um dos poucos filósofos, dessa época, que
acreditava no monoteísmo, isto é, na crença em apenas um único Deus.
Conceituava que
não era possível ao homem conhecer certos mistérios de Deus, dessa forma,
refutava alguns mitos descritos pelos oráculos. Escreveu algumas obras em
versos os quais se perderam no tempo. Suas obras transcorriam sobre temas de
caráter teogônico, cosmogônico e mitológico, diante disso, elas conectavam
noções de natureza, arte, religião e política. Foi provavelmente o inventor do
gancho e do arado. Esteve em Atenas na época do famoso legislador Sólon, tendo
inclusive o ajudado em algumas reformas religiosas, políticas e jurídicas.
Utilizava cabelos longos, fato esquisito para a cultura onde ele
vivia. Estranha-se também o fato de seu corpo ter sido encontrado coberto
de tatuagens enigmáticas, pois essa prática era incomum na Grécia antiga.
Floresceu aproximadamente entre os anos 630 a.C a 500 a.C.
Filosofia da Natureza
Sua teogonia se
ancorava na ideia de que o universo teria se formado a partir de cinco estágios
inicias da matéria. Para Epimênides, dentro desses estágios iniciais, havia uma
dualidade de princípios que originavam tudo no universo, esses princípios seria
o “ar” e a “noite”, assim sendo, ele acreditava
que para a realidade ser formada, o “ar” se unia a “noite” e
a “noite” se unia ao “ar”, nesse sentido, a
composição desses dois princípios determinavam as formas e criavam outros
princípios, tornando tudo visível. Dessa maneira, o “ar” e a “noite” formavam
todas as coisas. Eles originavam inicialmente o “tártaro”, depois se
formaria o “oceano-terra”, e desse elemento se daria origem o “ovo-primordial”.
A partir do “ovo- cosmogônico” surgiria sistematicamente uma nova
ordem cósmica. Alguns pensadores acreditam que o elemento “oceano-terra” pode
ser considerado também como sendo dois “titãs” que teriam dado
origem ao “ovo-primordial”. Epimênides explanava a respeito da
origem dos Dióscuros, dizia que eram gêmeos, macho e fêmea, um chamado de “tempo”,
como sendo uma “mônada”, e o outro chamado de “natureza”,
como sendo uma “díade”; pois da “mônada” e
da “díade”, todos os números que produzem vida e alma
surgiram.
No campo da astronomia, ele chegou a sistematizar alguns saberes cosmológicos como, por exemplo: a nomenclatura de estrelas e a identificação de algumas constelações. Existem relatos de que Epimênides teria atuado também como médico, realizando curas contra a epilepsia. Acredita-se que ele se alimentava de ervas e plantas que ele denominava de “alimon” (livre de fome). Ele evitava realizar suas refeições na frente das pessoas. Alguns relatos antigos dão conta de que Epimênides comia alimentos simples e de fácil digestão, ele seguia uma espécie de dieta vegana. Porém, como as pessoas não o viam, retirar-se para ir ao banheiro fazer suas necessidades básicas, elas especulavam que seria porque ele comia alimentos mágicos. Considerava que as paixões seguiam duas vias: a do prazer e a da dor. Nesse sentido, o homem não deveria evitar, de maneira desprendida, às paixões, mas precisaria saber dosá-las na medida certa, pois as paixões seriam algo natural ao homem, e ele necessitava controlá-las a fim de evitar atos ruins que se excederiam delas. Nesse contexto, ele pontuava que a dor, a raiva, o ódio e o ciúme poderiam ser bons para os homens se fossem utilizados com moderação, pois fariam parte do instinto humano como meio de sobrevivência.
Filosofia Ascética
Existem algumas
narrativas esotéricas sobre a vida de Epimênides, alguns filósofos descrevem
histórias místicas a seu respeito, afirmando que ele conseguia passar vários
anos dormindo em lugares reclusos, outros dizem que isso era apenas um
procedimento variante da meditação. Ele seria adepto da letargia, que era uma
prática de meditação do sono, onde profetizava suas experiências ao acordar. Em
torno desses mistérios que contam ao seu respeito, havia um que dizia que ele
conseguia fazer a alma viajar fora do seu corpo, ou seja, cultivava a viagem
astral. Ele teria influenciado alguns dos pensamentos da escola Pitagórica, como,
por exemplo, a ideia de reencarnação da alma. Estudou temas relacionados às
religiões órficas e xamânicas. Realizava cerimônias para consagrar templos e
purificar casas. A chamada expressão: "Pele de Epimênides", era assim
descrita, com o objetivo de designar uma coisa oculta. Acredita-se que sua pele
teria sido preservada em formato de amuleto da sorte em algumas regiões da
Grécia antiga. Conseguiu prever com dez anos de antecedência a guerra entre
gregos e persas.
O milagre de
Epimênides
O filósofo
estranho ficou bem conhecido na Grécia antiga quando foi chamado para ajudar a
cidade de Atenas a se livrar de uma praga que assolava toda a região. A
história conta que quando os atenienses já haviam procurado por várias pessoas
de vários lugares e feito oferendas para vários deuses, a fim de se livrarem da
praga, e por fim não obtiveram nenhum resultado, então, lembraram-se do
filósofo Epimênides que dizia acreditar em apenas um Deus criador de tudo.
Diógenes Laércio, um filósofo historiador, conta que a cidade de Atenas, nessa
época, possuía um número gigantesco de estátuas de deuses pelas ruas. Ele
relata que Epimênides, indo a Atenas para purificar a cidade, fez cessar a
peste do seguinte modo:
Reuniu
ao alvorecer ovelhas famintas, algumas de cor preta e outras brancas e depois
as conduziu ao Areópago para uma parte onde havia muita relva e pasto, logo em
seguida, fez uma oração, e após a oração, naquele local, deixou-as seguir para
onde as ovelhas quisessem, mandando aos homens que também as seguissem e no
exato lugar em que elas parassem e se deitassem ao invés de comer o pasto,
fosse ali erguido um altar. Muitos incrédulos não acreditavam no milagre ao ver
que as ovelhas se deitavam estando todas sedentas de fome. (Diógenes Laercio,
2008)
O povo da cidade
teria seguido todas as orientações dadas por Epimênides, e após esse fenômeno
espiritual, a praga enfim teria sumido. Depois de todo o acontecido, o povo de
Atenas perguntou a Epimênides como era o nome do Deus que solucionou esse
problema da praga, então, ele teria respondido: “Construam um altar no
Areópago e escrevam nele: “Ao Deus desconhecido”. Segundo
contam alguns historiadores, ainda hoje se encontra em alguns lugares de Atenas
as provas do altar anônimo que foi erguido para a purificação da
cidade. Parte desse relato foi descrito pelo apóstolo Paulo no livro
de atos 17:23.
Estando
Paulo no meio do Areópago, disse: Homens atenienses, em tudo vos vejo um tanto
supersticiosos; Porque, passando eu e vendo os vossos santuários, achei também
um altar em que estava escrito: “AO DEUS DESCONHECIDO”. Esse, pois, que
vós honrais, não o conhecendo, é o que eu vos anuncio. (BÍBLIA, Atos,
17:23).
Os Paradoxos de
Epimênides
Outro relato
interessante sobre sua vida também foi citado pelo apóstolo Paulo no livro de
Tito 1:12, em que ele diz: “Epimênides, que era cretense disse que;
“Todos os cretenses são mentirosos”. Dessa citação
incompleta se originou um paradoxo conhecido como “o paradoxo do
mentiroso”. Porém, a passagem descrita no livro bíblico não tinha a
intenção de descrever o citado paradoxo e sim de revelar uma crítica de Paulo
aos filósofos e habitantes da ilha que viviam de maneira imprópria, pois a
passagem correta seria: um deles, seu próprio profeta, disse: “Os
cretenses são sempre mentirosos, bestas ruins, ventres preguiçosos”. O
referido paradoxo também foi muito popular na antiguidade. Desse modo, a
popularidade da frase tinha um viés de demonstrar o paradoxo, já à frase de
Paulo tinha a intenção de orientar e atestar a verdade da sua fé. Mesmo diante
do equivoco a passagem é utilizada para estudo dos paradoxos da linguagem.
Outro paradoxo
conhecido é o “paradoxo de Epimênides”, em que é descrito um enigma
que não possui uma solução concreta. As tentativas de resolução da charada
levam sempre a um paradoxo, pois assim como no paradoxo do mentiroso, qualquer
escolha entre a verdade ou a mentira, irá sempre levar a outro paradoxo, ou
seja, uma verdade que é mentira ou uma mentira que é verdade. O “paradoxo
de Epimênides” é descrito da seguinte maneira:
Era
uma vez um acusado que disse: “Enquanto a minha mentira não for desvendada,
continuarei mentindo.”. Em seguida o juiz disse: “Se o acusado mentir, seu
advogado também mentirá”. Por fim o advogado disse: “Quem for capaz de
desvendar a minha mentira dirá a verdade.” Qual deles está mentindo?
Existem outras
variações do paradoxo do mentiroso, dentre elas, está uma atribuída ao filósofo
Eubulídes de Mileto que diz assim: “Se tu afirmas mentir e dizes que
isso é verdade, mentes ou dizes a verdade?”.
Filosofia
Sapiencial
- “Porque nele
vivemos, e nos movemos e existimos”.
- “Também eu sou
da estirpe de Selene dos belos cabelos”.
- "Paixões,
não as destrua, mas observe-as sem restringir demais”.
- “Não adivinho o
futuro, apenas descubro no passado os erros que são cometidos no presente”.
- “Eu
também sou da raça da lua de belas tranças, que com um tremor terrível sacudiu
o leão selvagem; e estrangulando-o em Nemeia por causa da reverenciada Hera, a
força divina de Heracles o venceu”.
- “Os homens vivem
em densas trevas sobre o futuro. Se os atenienses soubessem quanta desgraça
este porto lhes trará, eles o comeriam agora mesmo. Os atenienses o comeriam
com seus próprios dentes, se previssem o mal que faria à cidade”.
Curiosidades:
Segundo relatos,
depois de parar por alguns dias em Atenas, Epimênides teria ordenado seu
retorno imediato. Os atenienses então lhe prepararam um navio e deram-lhe
moedas pelo seu trabalho realizado, mas o filósofo agradeceu, recusou o
dinheiro e disse que queria apenas a amizade dos atenienses e um galho de uma
oliveira.
Contra o mito: Há
um mito segundo o qual águias e cisnes, levados das extremidades da Terra ao
centro dela, para ali desciam, para Delfos, até o chamado “umbigo da terra”.
Em seguida Epimênides, ao investigar ou refutar o mito junto do oráculo dos
deuses, e recebendo uma resposta obscura e ambígua, assim escreveu: “Nem
na terra nem no mar há no meio um umbigo; e mesmo que haja é evidente aos
deuses, mas está escondido aos mortais”.
Conta-se uma lenda
que Epimênides um belo dia teria sido mandado pelo seu pai aos campos em busca
de ovelhas perdidas, no entanto, ele adormeceu em uma caverna, e ali permaneceu
adormecido por cinquenta e sete anos. Durante seu sono profundo ele teria
sonhado com a bondade, a justiça e a verdade que foram as fontes de sua sabedoria.
Depois, tendo acordado após aquele tempo, ele foi procurar as ovelhas
novamente, acreditando que tinha apenas dormido um pouco. Assim que voltou para
sua casa, encontrou ali pessoas que lhe perguntaram quem ele era, pois não o
reconheciam, até que encontrou seu irmão mais novo, que já havia envelhecido,
foi então que seu irmão lhe reconheceu e explicou toda a verdade. A partir
desse momento compreendeu que era amado pelos deuses e que tinha um vínculo
especial com eles. Uma vez reconhecido, espalhou-se entre os gregos a opinião
de que Epimênides era muito querido pelas divindades.
Comentários de
Filósofos
- A primeira
sociedade constituída é a família, e com razão dizia o poeta Hesíodo: —
"Primeiro, casa, mulher e boi de carro". Porque o boi é o criado do
pobre. Assim, pois, a sociedade estabelecida segundo a natureza para atender as
necessidades quotidianas, é a família, a cujos membros Charondas chamam de
"companheiros", e Epimênides, de Creta, de "comensais"
("companheiros" são os que comem o mesmo pão, e "comensais"
os que se sentam à mesa). (Aristóteles em “A cidade”).
- Epimênides chama
os membros da mesma família de companheiros da fumaça. (Aristóteles,
Política).
Obras:
Teogonia de Epimênides; Crétrica; Sacrifícios e Purificações; Constituição de Creta e História cretense; Tratado sobre Minos e Radamanto; Argonáutica; Chresmos ou Oráculos; Expedição dos Colcos; Atribuições pseudoepígrafas; Epítetos favoritos do céu; Origem dos Curetes e Coribantes; Poema Útil e Puro.
Fontes:
ABBAGNANO,
Nicola. Dicionário de Filosofia. 5º ed. São Paulo: Martins, 2007.
ARISTÓTELES. A
política. São Paulo: Edipro, 2009.
BÍBLIA, N.T.
Atos. In Bíblia. Português. Sagrada Bíblia. Antigo e Novo Testamento.
Trad. José Simão. São Paulo: Sociedade Bíblica, 2008.
BORNHEIM, Gerd. Os
Filósofos Pré-Socráticos. São Paulo: Cultrix 1967.
CIVITA,
Victor. Pré-Socráticos: Os pensadores. São Paulo: Nova Cultura
LTDA. 1996.
CASERTANO, Giovanni. Epimênides:
Sábio ou Filósofo? Revista HYPNOS N; 26. São Paulo:
Internet, 2011.
ESTRABÃO. Geografia,
Livro X, Capítulo 4, 14.
FINLEY,
Moses Os Gregos Antigos. Lisboa: Edições 70, 1970.
LAÊRTIOS,
Diógenes. Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres. 2ª ed.
Brasília. UnB. 2008.
NETO, Rosana
Beatriz Martinez. Epimênides e a aura do pensamento racional. Revista Ágora.
Vol. 17, N. 2. Santiago de Compostela: Filosofia Papers, 1998.
PAUSÂNIAS. Descrição
da Grécia. Loeb Classical Library. Cambridge: Harvard University Press,
1918.
PLÍNIO, O
velho. História Natural. trad. Harris Rackam. Cambridge:
Harvard University Press, 1991.
PLUTARCO. Vidas
Paralelas. Trad. Carlos Alcade Martín e Marta González Madrid: Gregos,
2010.
REALE, Giovanni.
ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média.
3ª.ed. Vol.1. São Paulo. Paulus.1990.
RICHARDSON, Don. O
Fator Melquisedeque. São Paulo: Vida Nova, 2018.
RUSSELL,
Bertrand. História da filosofia ocidental. São Paulo: Companhia
editora nacional. 1957.
SILVA, Kalina
Vanderlei. Dicionário de Conceitos Históricos. São Paulo: Contexto,
2010.
SPINELLI,
Miguel. Filósofos Pré-Socráticos: Primeiro mestres da filosofia e da
ciência grega. 2ª. ed. Porto Alegre. EDIPUCRS. 2003.
VERNANT. Jean Pierre. Mito e pensamento entre os Gregos. Rio de Janeiro. PUC.
Nenhum comentário:
Postar um comentário