quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Epimênides de Creta

Epimênides de Creta – (630 a 500) a.C

Autor: Alysomax Soares

Introdução

Foi um filósofo grego do período arcaico que viveu na ilha de Creta. Pode ser considerado um filósofo hiperbóreo. Seu nome figura em algumas listas como sendo um dos sete sábios da Grécia antiga. Ele também foi poeta, místico e profeta. Seus estudos místicos lhe renderam a fama de “homem estranho”. Foi descrito por alguns historiadores como sendo uma espécie de mago. Muitos pesquisadores divergem sobre a parte exata da ilha onde ele nasceu, porém todos concordam que seria em uma cidade situada dentro da ilha de Creta. Teria sido criado em uma família de pastores e era visto como um dos poucos filósofos, dessa época, que acreditava no monoteísmo, isto é, na crença em apenas um único Deus.

Conceituava que não era possível ao homem conhecer certos mistérios de Deus, dessa forma, refutava alguns mitos descritos pelos oráculos. Escreveu algumas obras em versos os quais se perderam no tempo. Suas obras transcorriam sobre temas de caráter teogônico, cosmogônico e mitológico, diante disso, elas conectavam noções de natureza, arte, religião e política. Foi provavelmente o inventor do gancho e do arado. Esteve em Atenas na época do famoso legislador Sólon, tendo inclusive o ajudado em algumas reformas religiosas, políticas e jurídicas. Utilizava cabelos longos, fato esquisito para a cultura onde ele vivia. Estranha-se também o fato de seu corpo ter sido encontrado coberto de tatuagens enigmáticas, pois essa prática era incomum na Grécia antiga. Floresceu aproximadamente entre os anos 630 a.C a 500 a.C.

Filosofia da Natureza

Sua teogonia se ancorava na ideia de que o universo teria se formado a partir de cinco estágios inicias da matéria. Para Epimênides, dentro desses estágios iniciais, havia uma dualidade de princípios que originavam tudo no universo, esses princípios seria o “ar” e a “noite”, assim sendo, ele acreditava que para a realidade ser formada, o “ar” se unia a “noite” e a “noite” se unia ao “ar”, nesse sentido, a composição desses dois princípios determinavam as formas e criavam outros princípios, tornando tudo visível. Dessa maneira, o “ar” e a “noite” formavam todas as coisas. Eles originavam inicialmente o “tártaro”, depois se formaria o “oceano-terra”, e desse elemento se daria origem o “ovo-primordial”. A partir do “ovo- cosmogônico” surgiria sistematicamente uma nova ordem cósmica. Alguns pensadores acreditam que o elemento “oceano-terra” pode ser considerado também como sendo dois “titãs” que teriam dado origem ao “ovo-primordial”. Epimênides explanava a respeito da origem dos Dióscuros, dizia que eram gêmeos, macho e fêmea, um chamado de “tempo”, como sendo uma “mônada”, e o outro chamado de “natureza”, como sendo uma “díade”; pois da “mônada” e da “díade”, todos os números que produzem vida e alma surgiram.

No campo da astronomia, ele chegou a sistematizar alguns saberes cosmológicos como, por exemplo: a nomenclatura de estrelas e a identificação de algumas constelações. Existem relatos de que Epimênides teria atuado também como médico, realizando curas contra a epilepsia. Acredita-se que ele se alimentava de ervas e plantas que ele denominava de “alimon” (livre de fome). Ele evitava realizar suas refeições na frente das pessoas. Alguns relatos antigos dão conta de que Epimênides comia alimentos simples e de fácil digestão, ele seguia uma espécie de dieta vegana. Porém, como as pessoas não o viam, retirar-se para ir ao banheiro fazer suas necessidades básicas, elas especulavam que seria porque ele comia alimentos mágicos. Considerava que as paixões seguiam duas vias: a do prazer e a da dor. Nesse sentido, o homem não deveria evitar, de maneira desprendida, às paixões, mas precisaria saber dosá-las na medida certa, pois as paixões seriam algo natural ao homem, e ele necessitava controlá-las a fim de evitar atos ruins que se excederiam delas. Nesse contexto, ele pontuava que a dor, a raiva, o ódio e o ciúme poderiam ser bons para os homens se fossem utilizados com moderação, pois fariam parte do instinto humano como meio de sobrevivência.  

Filosofia Ascética

Existem algumas narrativas esotéricas sobre a vida de Epimênides, alguns filósofos descrevem histórias místicas a seu respeito, afirmando que ele conseguia passar vários anos dormindo em lugares reclusos, outros dizem que isso era apenas um procedimento variante da meditação. Ele seria adepto da letargia, que era uma prática de meditação do sono, onde profetizava suas experiências ao acordar. Em torno desses mistérios que contam ao seu respeito, havia um que dizia que ele conseguia fazer a alma viajar fora do seu corpo, ou seja, cultivava a viagem astral. Ele teria influenciado alguns dos pensamentos da escola Pitagórica, como, por exemplo, a ideia de reencarnação da alma. Estudou temas relacionados às religiões órficas e xamânicas. Realizava cerimônias para consagrar templos e purificar casas. A chamada expressão: "Pele de Epimênides", era assim descrita, com o objetivo de designar uma coisa oculta. Acredita-se que sua pele teria sido preservada em formato de amuleto da sorte em algumas regiões da Grécia antiga. Conseguiu prever com dez anos de antecedência a guerra entre gregos e persas. 

O milagre de Epimênides

O filósofo estranho ficou bem conhecido na Grécia antiga quando foi chamado para ajudar a cidade de Atenas a se livrar de uma praga que assolava toda a região. A história conta que quando os atenienses já haviam procurado por várias pessoas de vários lugares e feito oferendas para vários deuses, a fim de se livrarem da praga, e por fim não obtiveram nenhum resultado, então, lembraram-se do filósofo Epimênides que dizia acreditar em apenas um Deus criador de tudo. Diógenes Laércio, um filósofo historiador, conta que a cidade de Atenas, nessa época, possuía um número gigantesco de estátuas de deuses pelas ruas. Ele relata que Epimênides, indo a Atenas para purificar a cidade, fez cessar a peste do seguinte modo:

 

Reuniu ao alvorecer ovelhas famintas, algumas de cor preta e outras brancas e depois as conduziu ao Areópago para uma parte onde havia muita relva e pasto, logo em seguida, fez uma oração, e após a oração, naquele local, deixou-as seguir para onde as ovelhas quisessem, mandando aos homens que também as seguissem e no exato lugar em que elas parassem e se deitassem ao invés de comer o pasto, fosse ali erguido um altar. Muitos incrédulos não acreditavam no milagre ao ver que as ovelhas se deitavam estando todas sedentas de fome. (Diógenes Laercio, 2008)

O povo da cidade teria seguido todas as orientações dadas por Epimênides, e após esse fenômeno espiritual, a praga enfim teria sumido. Depois de todo o acontecido, o povo de Atenas perguntou a Epimênides como era o nome do Deus que solucionou esse problema da praga, então, ele teria respondido: “Construam um altar no Areópago e escrevam nele: “Ao Deus desconhecido”. Segundo contam alguns historiadores, ainda hoje se encontra em alguns lugares de Atenas as provas do altar anônimo que foi erguido para a purificação da cidade.  Parte desse relato foi descrito pelo apóstolo Paulo no livro de atos 17:23.

 

Estando Paulo no meio do Areópago, disse: Homens atenienses, em tudo vos vejo um tanto supersticiosos; Porque, passando eu e vendo os vossos santuários, achei também um altar em que estava escrito: “AO DEUS DESCONHECIDO”. Esse, pois, que vós honrais, não o conhecendo, é o que eu vos anuncio. (BÍBLIA, Atos, 17:23). 

 

Os Paradoxos de Epimênides

Outro relato interessante sobre sua vida também foi citado pelo apóstolo Paulo no livro de Tito 1:12, em que ele diz: “Epimênides, que era cretense disse que; “Todos os cretenses são mentirosos”.  Dessa citação incompleta se originou um paradoxo conhecido como “o paradoxo do mentiroso”. Porém, a passagem descrita no livro bíblico não tinha a intenção de descrever o citado paradoxo e sim de revelar uma crítica de Paulo aos filósofos e habitantes da ilha que viviam de maneira imprópria, pois a passagem correta seria: um deles, seu próprio profeta, disse: “Os cretenses são sempre mentirosos, bestas ruins, ventres preguiçosos”. O referido paradoxo também foi muito popular na antiguidade. Desse modo, a popularidade da frase tinha um viés de demonstrar o paradoxo, já à frase de Paulo tinha a intenção de orientar e atestar a verdade da sua fé. Mesmo diante do equivoco a passagem é utilizada para estudo dos paradoxos da linguagem.

Outro paradoxo conhecido é o “paradoxo de Epimênides”, em que é descrito um enigma que não possui uma solução concreta. As tentativas de resolução da charada levam sempre a um paradoxo, pois assim como no paradoxo do mentiroso, qualquer escolha entre a verdade ou a mentira, irá sempre levar a outro paradoxo, ou seja, uma verdade que é mentira ou uma mentira que é verdade. O “paradoxo de Epimênides” é descrito da seguinte maneira:

 

Era uma vez um acusado que disse: “Enquanto a minha mentira não for desvendada, continuarei mentindo.”. Em seguida o juiz disse: “Se o acusado mentir, seu advogado também mentirá”. Por fim o advogado disse: “Quem for capaz de desvendar a minha mentira dirá a verdade.” Qual deles está mentindo?

 

Existem outras variações do paradoxo do mentiroso, dentre elas, está uma atribuída ao filósofo Eubulídes de Mileto que diz assim: “Se tu afirmas mentir e dizes que isso é verdade, mentes ou dizes a verdade?”.

Filosofia Sapiencial

- “Porque nele vivemos, e nos movemos e existimos”.

- “Também eu sou da estirpe de Selene dos belos cabelos”.

- "Paixões, não as destrua, mas observe-as sem restringir demais”.

- “Não adivinho o futuro, apenas descubro no passado os erros que são cometidos no presente”.

- “Eu também sou da raça da lua de belas tranças, que com um tremor terrível sacudiu o leão selvagem; e estrangulando-o em Nemeia por causa da reverenciada Hera, a força divina de Heracles o venceu”.

- “Os homens vivem em densas trevas sobre o futuro. Se os atenienses soubessem quanta desgraça este porto lhes trará, eles o comeriam agora mesmo. Os atenienses o comeriam com seus próprios dentes, se previssem o mal que faria à cidade”.

Curiosidades:

Segundo relatos, depois de parar por alguns dias em Atenas, Epimênides teria ordenado seu retorno imediato. Os atenienses então lhe prepararam um navio e deram-lhe moedas pelo seu trabalho realizado, mas o filósofo agradeceu, recusou o dinheiro e disse que queria apenas a amizade dos atenienses e um galho de uma oliveira.

Contra o mito: Há um mito segundo o qual águias e cisnes, levados das extremidades da Terra ao centro dela, para ali desciam, para Delfos, até o chamado “umbigo da terra”. Em seguida Epimênides, ao investigar ou refutar o mito junto do oráculo dos deuses, e recebendo uma resposta obscura e ambígua, assim escreveu: “Nem na terra nem no mar há no meio um umbigo; e mesmo que haja é evidente aos deuses, mas está escondido aos mortais”.

Conta-se uma lenda que Epimênides um belo dia teria sido mandado pelo seu pai aos campos em busca de ovelhas perdidas, no entanto, ele adormeceu em uma caverna, e ali permaneceu adormecido por cinquenta e sete anos. Durante seu sono profundo ele teria sonhado com a bondade, a justiça e a verdade que foram as fontes de sua sabedoria. Depois, tendo acordado após aquele tempo, ele foi procurar as ovelhas novamente, acreditando que tinha apenas dormido um pouco. Assim que voltou para sua casa, encontrou ali pessoas que lhe perguntaram quem ele era, pois não o reconheciam, até que encontrou seu irmão mais novo, que já havia envelhecido, foi então que seu irmão lhe reconheceu e explicou toda a verdade. A partir desse momento compreendeu que era amado pelos deuses e que tinha um vínculo especial com eles. Uma vez reconhecido, espalhou-se entre os gregos a opinião de que Epimênides era muito querido pelas divindades. 

Comentários de Filósofos

- A primeira sociedade constituída é a família, e com razão dizia o poeta Hesíodo: — "Primeiro, casa, mulher e boi de carro". Porque o boi é o criado do pobre. Assim, pois, a sociedade estabelecida segundo a natureza para atender as necessidades quotidianas, é a família, a cujos membros Charondas chamam de "companheiros", e Epimênides, de Creta, de "comensais" ("companheiros" são os que comem o mesmo pão, e "comensais" os que se sentam à mesa). (Aristóteles em “A cidade”).

- Epimênides chama os membros da mesma família de companheiros da fumaça. (Aristóteles, Política).

 Obras:

Teogonia de Epimênides; Crétrica;  Sacrifícios e Purificações; Constituição de Creta e História cretense; Tratado sobre Minos e Radamanto; Argonáutica; Chresmos ou Oráculos; Expedição dos Colcos; Atribuições pseudoepígrafas; Epítetos favoritos do céu; Origem dos Curetes e Coribantes; Poema Útil e Puro

Fontes:

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