sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

Górgias de Leontinos

Górgias de Leontinos – (485 a 380) a.C

Autor: Alysomax Soares

Introdução

Foi um filósofo da antiguidade grega pertencente à escola conhecida como sofismo. Fez parte da primeira geração de sofistas. Era muito fluente na arte da comunicação, tendo se destacado na oratória, retórica e dialética. Possuía grande eloquência e poder de persuasão. O termo “gorgianizar” se refere ao seu estilo de oratória próprio e original. Sua retórica encantava os ouvintes devido ao requinte teatral com que ele explanava suas ideias. Seu pensamento lhe rendeu o título de pai da sofística. Exerceu muita influência entre os primeiros sofistas no campo da educação, sendo visto como um filósofo itinerante, que também desenvolveu conceitos sobre a arte da fala. Em seus discursos tinha bastante habilidade em improvisar as falas. Atuou como embaixador e chegou a viajar por grande parte da Grécia antiga. Suas obras abordavam principalmente conceitos relacionados ao relativismo, ao ceticismo-absoluto, ao subjetivismo e ao asceticismo. A maioria dos sofistas cobrava pelos seus ensinamentos na arte da oratória, por isso eles foram bastante criticados pelos filósofos da época.  Os sofistas sofreram duras críticas dos filósofos clássicos como Sócrates, Platão e Aristóteles. Górgias nasceu em 485 a.C, na região de Leontinos¹ e faleceu, por volta de 380 a.C, na localidade de Tessália, morreu muito velho, com mais de cem anos de idade.

Filosofia da Linguagem

Górgias foi considerado um inovador na arte da retórica, pois introduziu novas estruturas linguísticas nos discursos, como por exemplo, a ideia de ornamentação e a introdução da paradoxologia. Algumas de suas obras foram preservadas através de um compilado de textos chamado de “Technai”, que era um manual de instrução retórica, o qual consistia de modelos a serem memorizados, e que também demonstrava diversos princípios da prática retórica. Para ele, não importava quem estaria certo ou errado na defesa da verdade, nem quem estaria com a razão, em um debate de ideias, mas sim quem dominava a retórica, isto é, a arte da fala. Desse modo, quem discursasse melhor atingiria a ideia de razão. Dizia que a verdade não existia em si mesma, o que existiria seria a arte de argumentar com eloquência e competência. 

O estilo de Górgias era considerado performático, devido o esforço que ele fazia para demonstrar sua habilidade retórica e para convencer as pessoas através de um argumento absurdo. Górgias utilizava em seus discursos e escritos, estratégias como a paródia, a figuração artificial e a teatralidade. Utilizava-se também de ideias impopulares e de paradoxos. Seu discurso argumentativo era descrito como sendo de poesia sem métrica. Ele acreditava que as palavras persuasivas continham uma força que era equivalente as palavras divinas. Em uma de suas obras, ele faz uma analogia dizendo que as palavras tinham um efeito na alma parecida com o efeito das drogas no corpo. Veja o que ele diz:

 “Assim como diferentes drogas trazem à tona os diferentes humores do corpo - alguns interrompendo uma doença, outros a vida - o mesmo ocorre com as palavras: algumas causam dor, outras alegria, algumas provocam o medo, algumas instilam em seus ouvintes a ousadia, outras tornam a alma muda e enfeitiçada com crenças más”. (Górgias).

Explicava que as palavras tinham poder de encantamento, podendo curar a alma e controlar fortes emoções. Seu estilo poético encantava as plateias. Górgias argumentava que a virtude era relativa a cada pessoa, por isso ele não acreditava que a virtude poderia ser ensinada de maneira igual para todos. Portanto, a retórica seria a rainha de todas as ciências, pois era capaz de persuadir qualquer curso de ação, em um indivíduo. Ele obrigava seus discípulos a decorar passagens importantes da literatura, com a finalidade deles dominarem o uso da linguagem. Sua persuasão era realizada de maneira parecida com a magia e o encantamento, utilizando-se, para isso, do instrumento da linguagem, daí ele empregava o discurso como uma espécie de feitiço.

Filosofia do Conhecimento

Górgias acreditava que não existia um fundamento absoluto para a verdade. Para ele, nada “é”, a verdade do mundo seria incompreensível, e o conceito de verdade era criação da imaginação. Assim como outros sofistas, Górgias não acreditava em uma verdade única, pois dizia que os sentidos criavam uma ilusão em relação à verdade. Nesse sentido, conhecer a verdade seria impossível, pois todo o conhecimento era ilusório. A frase que melhor sintetizava sua filosofia era: “Nada Existe”, a sentença parece ser a priori simples, porém a expressão traduz um duplo sentido. Ele foi chamado de “niilista”, pelo fato de não acreditar em uma verdade universal. Sua obra se diferencia da teoria de Protágoras na medida em que Górgias assumiu uma visão mais radical sobre a impossibilidade de um critério absoluto. Enquanto para Protágoras o relativismo poderia conduzir o pensamento para algo útil, para Górgias seria impossível afirmar qualquer pensamento concreto, restando ao ser humano, apenas uma atitude “niilista”, isto é, a inexistência de qualquer valor ou critério que fundamentasse uma verdade.

Filosofia da Natureza

Para Górgias, o “ser” não existe, o que “existe” é apenas o “nada”. Por isso, o “ser” é o “nada”. Nesse sentido, se existisse alguma verdade o homem não seria capaz de conhecê-la, e se pudesse imaginar esse conceito de “ser”, ainda sim, não saberia como expressá-lo em palavras, logo, o homem fala sobre palavras em relação ao saber e não sobre o que realmente é o “ser”. Assim, a palavra não exprime uma verdade em si, mas apenas uma aparência sobre a verdade. Explicava que não era apenas o “ser” que não existia, mas que o “não-ser” também não poderia existir. Tudo, então, seria apenas uma representação mental das coisas, que não estaria propriamente conectada com a realidade, o homem comunicaria a “si e ao outro”, somente o “logoi”, isto é, princípios “incriados”, não conseguindo expressar a real substâncias das coisas. O que existiria no mundo não passaria de uma relação metalinguística que teria sido convencionada pelo homem para explicar os fenômenos de forma ilusória.

Ao combater o pensamento da escola Eleata, Górgias afirmava que não haveria uma conexão entre o “ser” e o “pensar”. Pois ele não acreditava na existência do “ser”, daí logicamente não poderia existir também o “pensar” e como consequência disso, não existiria uma verdade absoluta. Esse conceito se baseava em suas três teses fundamentais que eram: “o ser não existe; o ser é incognoscível; e o ser é inexprimível”.

Em relação à primeira tese ele defendia a não existência do “ser” alegando que não era possível diferenciar o “ser” do “não-ser”, logo, “Nada é”. Também explicava que o “ser” não poderia ser gerado e nem poderia ser eterno. E por fim ele concluía que também não poderia ser “uno” e nem “múltiplo”. Com isso, ele definia como inviável a ideia de “ser” como sendo um fundamento substancial da realidade, pois se o “ser” fosse colocado em primeiro plano como realidade fundamental, logo se pensaria na ideia do “não-ser” como existência oposta. A aceitação do “não-ser” terminaria por “nadificar”, isto é, eliminar o conceito de “ser”. Nesse contexto, seu surgimento fazia dele um outro “ser”. Portanto, posicionados os dois lado a lado, “ser” e “não-ser” deixariam equivalentemente de “ser”.

Na segunda tese, ele discorria sobre o incognoscível, ou seja, sobre a impossibilidade de conhecimento real do “ser”. Pois o “ser” não possuiria um sentido físico como a visão ou a audição, para traduzir o que era o real “ser” das coisas. O homem não possuía um sentido com capacidade de apreensão cognitiva do “ser”. A mente não conseguiria imaginar situações que “não-são”, logo, ela possuiria limites para projetar experiências que envolvessem questões do “não-ser”. Como as situações ilógicas por exemplo. Portanto, também não seria possível diferenciar os fenômenos que “são”, dos que “não-são”. Nesse sentido, sobre o mesmo ponto de vista, seria inconcebível dissociar o “ser” do “não-ser”.

Por fim, na terceira tese ele dissecava a respeito da incomunicabilidade do ser. Aqui, ele parte do principio da falseabilidade das duas hipóteses anteriores. Supondo que o “ser” exista e que possa ser conhecido através do sentido de apreensão. Ele, então se questiona: - como isso poderia ser comunicado? Para Górgias, as palavras não possuem a função de transmissão, elas servem apenas para rememorar a mente sobre algo. Não existiria uma transmissão real das coisas através das palavras, mas somente uma aparente ilusão que afetaria as experiências sensoriais, fazendo as pessoas interligarem um acontecimento a uma vaga lembrança da palavra. Como não existe um sentido específico para a apreensão do “ser”, não poderia existir essa recordação entre o sentido e a palavra em um caso singular, ou seja, se fosse possível perceber o “ser” das coisas, nessa lógica, não seria possível comunicá-la, pois para Górgias a experiência seria sempre de caráter pessoal e não poderia ser transferido. Não podendo a percepção das coisas, ser expresso de maneira concreta. Por fim, então ele conclui: “Nada existe e, se existisse nós não o conheceríamos e, se pudéssemos conhecer, não saberíamos explicar essa existência para ninguém”.

Elogio de Helena

Na obra o “Elogio de Helena” Górgias retrata o poder que um discurso poético tem na alma humana. Ele mostra como as palavras podem afetar as emoções de uma pessoa. Por isso, ao mexer com os sentimentos as palavras podem retirar a autonomia e o poder de decisão de uma pessoa. Para esse filósofo, o homem vive perdido na ilusão da ignorância e em vista disso, pode ser facilmente manipulado. O discurso poético pode, então, conduzir facilmente essas pessoas por caminhos ao qual o orador possua a intenção de levar. Observe um pequeno trecho que foi traduzido dessa obra:

“Ordem, para a cidade, virilidade; para o corpo, beleza; para a alma, sabedoria; para o ato, excelência e verdade; para o discurso. O contrário destes, desordem. Tanto homem, quanto mulher; tanto discurso, quanto obra; tanto cidade, quanto assunto privado é preciso, por um lado, com louvor, honrar o digno de louvor; por outro lado, repreender ao indigno. Pois igual erro e ignorância é repreender coisas louváveis e louvar coisas repreensíveis”. (Górgias).

Ao explicar o poder que existia na ideia de “logos” ele advertia que “Helena” só poderia ter fugido com “Páris” em quatro hipóteses previsíveis: força física, vontade dos deuses, persuasão pela fala ou seduzida pelo “amor Eros” (desejo erótico). Com isso, em nenhum desses casos, ela teria culpa, dessa forma, não seria justo responsabilizá-la. Sua inocência era ainda maior na hipótese da persuasão pela fala, pois um belo discurso ornamentado pelo “logos” poderia impressionar a alma e fazê-la mudar suas crenças, passando a vítima a agir de acordo com a vontade do hipnotizador. Esse poder causado pelo bom orador teria a mesma equivalência de coação da força física ou da vontade dos deuses.

Filosofia Sapiencial

+ “Não há nada que seja ou exista”.

+ “O artista é um criador de mundos”.

+ “As coisas não são mais do que não são”.

+ “Mesmo que as coisas sejam elas não são conhecíveis”.

+ “O que parece a mim é para mim, e o que parece a ti é para ti”.

+ “A persuasão aliada a palavras modela a mente dos homens como quiser”.

+ “O ser não é uno, não é múltiplo, não criado e nem gerado, por conseguinte o “ser” é “nada”.

+ “A persuasão é soberana, porque não há nenhuma verdade acima da que um homem pode ser persuadido a crer”.

+ "Como alguém pode se comunicar a ideia de cor por meio de palavras, pois o ouvido não ouve cores, mas somente sons?"

+ “Frente ao drama da vida a única consolação é a palavra que adquire valor próprio porque não exprime a verdade, mas a aparência”.

+ “O ser não existe; se existisse, não poderia ser reconhecido; mesmo que fosse conhecido, não poderia ser comunicado a ninguém”.

+ “Se é eterno não teve princípio, se não tem princípio é infinito, se é infinito não está em nenhum lugar, se não está em nenhum lugar não existe”.

+ “A boa ordem da cidade é a coragem dos seus cidadãos; a do corpo, a beleza; a da alma, a sabedoria; a da ação, a excelência; e a do discurso, a verdade”

+ “A arte da persuasão ultrapassa todas as outras, e é de muito a melhor, pois ela faz de todas as coisas suas escravas por submissão espontânea e não por violência”.

+ “Assim como a visão não conhece os sons, o ouvido não ouve as cores, mas os sons. Quem fala expressa bem um som, mas não pode falando expressar uma cor ou uma experiência”.

+ “Difícil explicar o que leva o ser a direcionar as suas ações em função do meio. Por vezes deixamos de fazer tanta coisa, justamente por conta do meio. Liberte-se, escuta a tua intuição e serás feliz”.

+ “Podemos somente analisar a condição em que nos encontramos e expor o que devemos ou não fazer e mesmo o que devemos ou não fazer muda muito dependendo da situação em que nos encontramos”.

+ "O Discurso é um senhor soberano que, com um corpo diminuto e quase imperceptível, leva a cabo ações divinas. Na verdade, ele tanto pode deter o medo como afastar a dor, provocar a alegria e intensificar a compaixão".

+ “A poesia é um discurso com métrica e quem a escuta é invadido por um arrepio de estupor, uma compaixão que arranca lágrimas, um ardente desejo de dor e pelo efeito das palavras a alma sofre seu próprio sofrimento ao ouvir a sorte ou o azar de fatos e pessoas estranhas”.

+ “Uma tal ilusão que, por um lado, o que cria a ilusão é mais justo que aquele que não a cria e, por outro lado, aquele que se deixa encantar é mais sábio que aquele que não se deixa levar. De fato, um é mais justo porque aquilo que prometeu fê-lo; o outro, o que cede ao encanto, é mais sábio: com efeito, deixa-se levar pelo prazer das palavras, o que não deixa de ter um sentido.”

Obras:

Discursos; O Elogio de Helena; A Defesa de Palamedes; A Oração Fúnebre; O Discurso Olímpico; O Elogio dos Elisinos; O Elogio de Aquiles; A Arte Oratória; O Onomástico; Elogio a cidade de Eléia; Tratado do Não Ente ou Sobre o não-ser.

Fontes:

ARISTÓTELES. Metafísica. Trad. Edson Bini. 2ª ed. São Paulo: EDIPRO, 2012.

BARBOSA, Manuel e CASTRO, Inês. Górgias: Testemunhos e Fragmentos. Lisboa: Colibri, 1993.

BARNES, Jonathan. Filósofos pré-socráticos. Trad. Julio Fischer. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

BORNHEIM, Gerd. Os Filósofos Pré-Socráticos. São Paulo: Cultrix , 1967

CASERTANO, Giovanni. Sofista. São Paulo: Paulus, 2010.

CASSIN, Barbara. Ensaios Sofísticos. São Paulo: Siciliano, 1990.

DINUCCI, Aldo. Górgias: Górgias de Leontinos. São Paulo: Oficina do Livro, 2017.

DUMONT, Jean. Paul. Elementos de história da filosofia antiga. Brasília: EdUnB, 2005.

FILÓSTRATO, Flávio. História dos Sofistas Ilustres. Londres: Loeb, 1989.

GUTHRIE, William. Os Sofistas. 2ª ed. São Paulo: Paulus, 2007.

HADOT, Pierre. O que é a Filosofia antiga? São Paulo: Lisboa, 1999.

HOBUSS, João. Introdução à história da filosofia antiga. Pelotas: Dissertatio Filosofia. 2014.

KERFERD. George. O movimento sofista. trad. Margarida Oliva. Edições Loyola, São Paulo: 2003.

KIRK, Geoffrey. RAVEN, John. Os Filósofos pré-socráticos. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1994.

REALE, Giovanni. História da filosofia antiga. São Paulo: Loyola, 1993.

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WILBORN, Josh. Górgias de Leontini: O orador. Dicionário clássico de Oxford: 2016.

 

Notas:

_________________

¹Leontinos era uma colônia grega da Grécia antiga que ficava localizada na costa leste da antiga Sicília.

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