quarta-feira, 3 de agosto de 2022

Monte Alverne

Monte Alverne – (1784 a 1858) d.C

Autor: Alysomax Soares

Introdução

Francisco José de Carvalho foi um filósofo brasileiro ligado a corrente de pensamento chamada de ecletismo. Teria sido influenciado pela filosofia sensualista do pensador iluminista Condillac e também pelo ecletismo espiritualista de Victor Cousin. Escreveu algumas obras em formato de sermões, alegorias, discursos, compêndios e literatura. Ficou conhecido como o “Frei Francisco de Mont’Alverne”. Esse codinome lhe foi dado pela ordem dos franciscanos, em homenagem ao “Padre Francisco de Assis”, simbolizando um momento de reflexão vivido pelos frades no conhecido “Monte Alverne” localizado na Itália. Alverne era filho do ourives João Antônio Silveira e de Ana Francisca da Conceição. Cogita-se a hipótese de Mont’Alverne ter sido filho de criação desse casal. Estudou Teologia e Filosofia no Convento São Francisco de Assis, em São Paulo.

Foi considerado um dos grandes oradores sacros da igreja católica no Brasil. Inicialmente, ele teria sido nomeado por D. João VI para o cargo de Pregador, havendo posteriormente exercido diversas outras funções na área política e na educação. Lecionou disciplinas da área de Filosofia, Oratória e Teologia. Tendo exercido partes do seu professorado no Convento de Santo Antônio da Ordem Franciscana. Foi membro da Academia de Belas Artes e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Floresceu no período de transição do Brasil colônia para o período emancipatório de independência brasileira. Sofreu algumas limitações visuais que comprometeram seu desempenho nas suas atividades laborais. Acredita-se que tenha sido acometido por uma doença conhecida como “amaurose”. Passou então a viver afastado, por um longo tempo, de suas funções, tendo retornado ao fim de sua vida, através de convites, para realizar novos discursos públicos. Nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 1784 e faleceu no município de Niterói, por volta de 1858, de morte cerebral, em um retiro na casa de amigos.

Filosofia do Ecletismo

Sua admirável oratória teria exercido grande poder de influência na formação de opiniões públicas. Essa influência teve papel importante na caracterização do pensamento nacional. Contribuindo para a formação da identidade nacional e a invenção da intelectualidade brasileira. Como professor, rejeitou nos últimos anos, a “escolástica tomista” para defender o ecletismo de Victor Cousin. A originalidade do seu ecletismo se encontrava ancorado em uma espécie denominada de “romantismo sermonístico”. Visto como um dos idealizadores do romantismo no Brasil, ele exerceu grande influência nos escritores do romantismo brasileiro. Transcorreu através de sua sermonística pelos horizontes da poética, da política, da teologia e da filosofia. Inclinando-se mais propriamente nos caminhos da estética e da moral. Alguns pesquisadores apontam como principais características de sua filosofia, os elementos ligados ao arcadismo, ocultismo, exotismo, individualismo, subjetivismo, reformismo, exageração, sensualismo e informalismo. Nesse sentido, sua “sermonística universalista” transitava entre ideias espiritualistas e percepções do ecletismo.

Filosofia Teopolítica

Visto por alguns pensadores como um dos grandes nomes da cultura no Brasil, ele direcionava alguns de seus discursos para reflexões do cotidiano brasileiro. Sua veia do romantismo dialogava entre conceitos teológicos e acepções patrióticas.  Dissertou sobre preceitos políticos e religiosos que se mesclavam, dando, com isso, origem a reflexões enigmáticas. Seu criticismo erudito era muitas vezes confundido com pedantismo. Sua ótima eloquência encenava admiráveis análises políticas, por isso, era descrito como sendo um grande sedutor público. Caminhava dialeticamente entre noções de transformações reformistas e o conservadorismo dos aspectos tradicionalistas. Dessa forma, foi apontado como um crítico moderado e conciliador. Essa denominação criticista era vista como sendo gerada por pensadores que lutavam por reformas, mas não desejavam revoluções. Defendia alguns pontos positivos que ele identificava na monarquia vigente, mas argumentava em prol de reformas na área da educação. Nesse contexto, sua obra é tida como um marco civilizatório e emancipatório para o país, pois era dotada de dinamismo, em meio ao conturbado cenário de construção do pensamento político brasileiro. Seu trabalho teria influenciado as primeiras correntes políticas do pensamento liberal do país. A veia liberal de Monte Alverne se articulava ecleticamente com os ideais iluministas e com alguns princípios luso-monárquicos. Ele não chegou a se envolver diretamente nas questões políticas de seu tempo, tendo apenas ensaiado conceitos e pensamentos. Dessa maneira, ele afirmava que: “Sou frade e frade morrerei”.

Filosofia Moral

Absorveu os princípios religiosos da simplicidade e do desprendimento material, negando os prazeres mundanos e adotando a solidariedade como bússola orientadora de sua vida. Ele se via como um instrumento de revelação da verdade de Deus na Terra, por isso dizia interceder pela humanidade junto a Deus. Realizou o voto de pobreza como incentivo a regulação de sua conduta moral. Assumiu uma nova postura social que se compatibilizasse com sua religiosidade. Misturou elementos da moral jesuítica com a nova proposta da filosofia ética e modernizadora do ecletismo. Realizou várias preleções onde praticava seu doutrinamento moral e ensinava a seus discípulos. Segundo Gonçalves de Magalhães, Monte’Alverne sentia o que dizia, pois comunicava sua sensibilidade moral de forma bastante sublime e de maneira bem estruturada. Pensou um sistema de explicação denominado de “sensual-espiritualista” que clareava a noção de consciência da alma e sua relação com a vontade individual do homem. Alverne acreditava que a percepção do conhecimento poderia ser entendida pelo espírito humano por meio da comunicação de uma verdade científica. Nesse sentido, o entendimento humano teria as faculdades de perceber, julgar e raciocinar. O homem tateava a clareza do seu juízo através de um “discurso lógico” que delimitava os horizontes dos saberes morais e éticos. Ele conceituava a diferença existente entre descrição e definição, pontuando que a primeira seria uma sentença que se refere a um conjunto enumerado de circunstâncias, com a finalidade de determinar o conhecimento de algo. Já a segunda, seria a maneira de evidenciar a essência fundamental das coisas. O juízo humano deveria, então, utilizar a “descrição” e a “definição” para construir uma “distinção” que estaria baseada em três aspectos principais a serem investigados, os planos: físico, metafísico e lógico. Segundo Alverne, o juízo seria o ato positivo e o ato real da alma humana, que poderia ser percebido de forma intuitiva através da percepção mais conveniente entre duas ideias, pois a natureza do juízo consistiria, em ser um ato da alma, e alma atua melhor, quando ela julga.

Filosofia Sapiencial

+ “O púlpito foi à pira em que arderam meus olhos”

+ “Minha duração é um momento, meu lugar é um ponto”.

+ "O entendimento é a potência de perceber, julgar e raciocinar"

+ “Deus esmaga nas barreiras do túmulo todos esses gigantes da Terra”.

+ “A moralidade dos reis é o mais seguro penhor da felicidade dos povos”.

+ “A perfeita certeza jaz aqui no conhecimento da totalidade destas coisas”.

+ “Repeli com horror todas as insinuações que tendem a destruir o edifício social”.

+ “Quando falo da liberdade me refiro a esta liberdade que não aqueceu os ossos de nossos pais”.

+ “É uma injustiça reconhecer nas revoluções políticas dos povos a influência exclusiva das paixões e dos crimes individuais”.

+ “Homem! Em outro tempo eu vos convidaria a vir nesta comunidade tomar um lugar que fica vago. Hoje, porém lhe digo que melhor destino espera o talento”.

+ “Os verdadeiros filhos de uma pátria degenerada não podem encontrar algum pretexto para violar uma convenção regulada pelos princípios da justiça”.

+ “Salve, ó pátria minha, ó terra de minha mãe, ó país em que descansam as cinzas veneráveis de meu pai! Tu serás grande, tu serás venturosa, assim está escrito, assim está decretado."

+ “É nessas barreiras formidáveis dos revoltosos nas revoluções que se despedaçam todos esses opressores que fundam a sua grandeza e a sua glória nas lágrimas, nos gemidos e na miséria dos povos”.

+ “A vida do claustro se não é o consórcio instintivo com a humildade, é um martírio sem mérito; porque não ha entusiasmo que lento sustente por uma vida inteira o sacrifício forçado das mais imperiosas paixões humanas”.

+ “Tantos esforços, fadigas tão aturadas eram precisas para deixar um vestígio de minha passagem nesta terra, onde recebi aplausos, coroas e ovações, de que nenhum orador, nenhum filósofo antes de mim ousou ainda gloriar-se”.

+ “Teus bravos filhos proclamaram no meio dos mais ardentes aplausos à intervenção do homem extraordinário, que reanimando o valor de nossos batalhões afugentou de nossas praias esses ferozes opressores que pretendiam lançar sobre nossos pulsos o cadeado infame da escravidão e do opróbrio”.

+ "Quando todas as nações da Terra se deixassem envilecer pelo cativeiro, quando todo o mundo se desonrasse abraçando uma direção que degrada e embrutece o homem; cada um de nós cerrando o coração às suas mais caras afeições deve defender a todo o transe esta árvore misteriosa que encerra a semente da prosperidade nacional”.

+ “Se eu soubesse que era arrancado das bordas do meu sepulcro, do seio do meu retiro, para receber das mãos da mocidade uma coroa de louros, honra cívica que premia meus serviços pisados pela ignorância, esquecidos pela estupidez, e mal pagos pela mais fria indiferença, ainda assim talvez não tivesse coragem de apresentar-me para recebê-la”.

+ "Empreguei, é verdade, os anos da minha mocidade em dirigir as inteligências que me tinham sido confiadas, revelei verdades que meus antecessores não me tinham comunicado, alarguei a esfera da inteligência; marchei intrépido; pisei o egoísmo; fui sobranceiro à inteligência; não voltei o rosto à injúria, à calúnia; fui conspurcado por a inveja...; mas longe de sucumbir levei de vencida meus adversários”.

+ “Ao fragor do incêndio que reduzia a cinzas nossas povoações, ao tinido lúgubre dos punhais fratricidas que votavam a uma vingança estúpida centenas de vítimas, à inauguração desses festins selvagens, em que o canibalismo dava os mais frenéticos embora ao roubo, à devastação, à barbaridade e à ignorância, Deus nos deparou no Príncipe com que nos mimoseara, o termo de tantos danos, e a aurora de uma felicidade que não nos era dado lobrigar."

+ “Não, não poderei terminar o quadro que acabei de bosquejar: compelido por ser uma força irresistível a encetar de novo a carreira que percorri por anos, quando a imaginação está extinta, quando a robustez da inteligência está enfraquecida por tantos esforços. Não vejo as galas do santuário, e eu mesmo pareço estranho àqueles que me escutam, como desenterrar este passado tão fértil em reminiscências? Como reproduzir esses transportes, esse enlevo com que realcei as festas da religião e da pátria?”

+ “Basta! com efeito, entrar em mim mesmo para ser convencido, que minha alma tem o senso íntimo, ou a consciência de tudo o que experimenta. Ele constitui esta - Unidade, este Eu - , que se incorpora, se identifica com tudo, o que se passa na alma; que reúne em si tudo isto, apropria-se o passado, como o presente; e reúne desta sorte numa só individualidade, em uma só existência toda a série das percepções, e das operações da alma. É este sentimento tão claro, tão permanente, tão uniforme, que eu tenho da minha própria individualidade, do meu Eu, quem me assegura que existo; e a minha existência é uma destas verdades de uma evidencia propriamente dita, á quem nada pode enfraquecer: porque não podendo ter uma percepção, sem ao mesmo tempo sentir, que sou eu, quem a tenho; não posso sentir que eu tenho esta percepção, sem sentir ao mesmo tempo que existo”.

Obras:

- Obras Oratórias (1833)

- Compêndio de Filosofia (1859)

- Trabalhos Literários (1863)

Fontes:

BDLB. Biblioteca Digital Luso-Brasileira. Cartas autografas e uma por cópia de Frei Francisco do Monte-Alverne 1784 a 1858, oferecidas à Biblioteca Nacional da Corte pelo conselheiro Barão de Nogueira da Gama. Site: BNDigital do Brasil. Brasil: Acesso em 2022.

CÂNDIDO, Antônio. Formação da Literatura Brasileira. São Paulo: Martins, 1969.

CARRANO, Enrico. Dois nascimentos do Frei Monte Alverne. Site: Instituto Histórico de Petrópolis. Petrópolis: IHP, 2019.

CARVALHO, Laerte Ramos de. A Lógica em Monte Alverne . São Paulo: Universidade de São Paulo, 1946.

CERQUEIRA, Luiz Alberto. Textos de Filosofia Brasileira: Discurso Preliminar de Obras Oratórias, 1852. Blog: Textos de Filosofia Brasileira. Rio de Janeiro: CEFIB, 2010.

COSTA, Sandro Roberto da. Frei Francisco do Monte Alverne: Plano de Reforma para a Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil. Revista Eclesiástica Brasileira. Petrópolis: FASC, 2008.

COUTINHO, Afrânio; SOUSA, José Galante. Enciclopédia de literatura brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 2001.

DURAN, Maria Renata da Cruz. Frei Francisco do Monte Alverne, pregador imperial: roteiro para um novo estudo. Revista Intellectus. Rio de Janeiro: UERJ, 2004.

GAMBARRA, Lúcio. Monte Alverne: o orador, pedagogo e letrado.  Petrópolis: Vozes, 1927.

IHGB. Frei Francisco de Monte Alverne: Sócios Falecidos. Site: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Acesso em 2022.  

MAGALHÃES, Gonçalves de. Biografia do Padre-Mestre Frei Francisco de Monte-Alverne. Rio de Janeiro: IHGB, 1859.

MONTE’ALVERNE, Francisco de. Obras Oratórias. Rio de Janeiro: H Garnier, 1858.

PAIM, Antônio. O ecletismo esclarecido: História das ideias filosóficas no Brasil. São Paulo: Grijalbo, 1967. 

SACRAMENTO, Blake. Dicionário Bibliográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1902.


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